Lara Raysa Tavares de Souza*
No ano de 2023, tivemos deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO, do Ministério Público do Estado de Goiás, a operação Penalidade Máxima, cujo alvo era o combate à manipulação de resultados e ao esquema de apostas no futebol brasileiro.
Foram denunciados jogadores, empresários, bem como apostadores. Nas denúncias, o Ministério Publico acusou os jogadores de praticarem o crime previsto no art. 41-C do Estatuto do Torcedor, o qual previa:
CORRUPÇÃO PASSIVA
“Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa”.
Cumpre mencionar que independente do jogador cumprir com o combinado ou não, o crime já estaria configurado, haja vista que o delito se consuma com o ato de solicitar ou aceitar a vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial.
Com relação aos apostadores que deram ou promoveram vantagens aos atletas para manipularem os resultados, o Ministério Público os denunciou pela prática do crime de corrupção ativa:
CORRUPÇÃO ATIVA
“Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa”.
Salienta-se que à época das denúncias ainda vigorava o Estatuto do Torcedor, no qual previa as condutas criminosas de Corrupção Passiva e Ativa, tipificada nos Arts. 41-C e 41-D, respectivamente.
Com o advento da Nova Lei Geral do Esporte, Lei nº 14.597/23, a qual revogou, expressamente, o Estatuto do Torcedor, vieram previstos no Capítulo dos Crimes Contra a Integridade e a Paz no Esporte, os Crimes contra a Incerteza do Resultado Esportivo, os quais dispõem:
“Art. 198. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 199. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.
Vejamos que a descrição dos delitos e as penas do Estatuto do Torcedor e da Lei Geral do Esporte, continuam as mesmas, ou seja, reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Outrossim, além dos delitos de corrupção ativa e passiva previstos na Lei Especial, os envolvidos foram denunciados pelo Ministério Público do Estado de Goiás pela prática do crime de organização criminosa, constando na denúncia oferecida:
“evidenciaram a manipulação de resultados nas competições esportivas perpetrada por uma verdadeira organização criminosa especializada em corromper atletas profissionais de futebol para assegurar a ocorrência de eventos determinados nas partidas e, com isso, angariar elevados ganhos em apostas”.
Pontua-se que a Lei de Organização Criminosa, nº 12.850/13, tipifica em seu Art. 2º, a conduta de integrar organização criminosa, cuja pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa:
“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”.
Além dos delitos citados, não se pode esquecer que a manipulação de resultados nos jogos de futebol, nada mais é do que uma fraude que os envolvidos praticam para a obtenção de uma vantagem, ficando claro a configuração do crime de estelionato, previsto no artigo 171, do Código Penal, cuja pena é de reclusão de 1 a 5 anos de prisão além de multa.
Ressalta-se que todos os crimes que os envolvidos podem responder, possuem pena máxima de reclusão superior a 04 (quatro) anos, o que indica que caso o autor da ação criminosa seja condenado, em pena igual ou superior a quatro anos, o regime inicial poderá ser o semiaberto ou fechado.
Em que pese o Direito Penal ser a ultima ratio a ser aplicada, com a corrupção demasiada inserida no futebol, e a movimentação de valores vultosos, principalmente pela ausência de regulamentação das apostas, fez-se necessário a intervenção do Estado, por meio do Direito Penal, como forma de preservar os interesses econômicos envolvidos no esporte.
Outro ponto a se destacar, é que o jogador envolvido na manipulação de resultados não sofrerá, apenas, os efeitos das punições pelas práticas dos crimes, mas também, as punições junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
Neste sentido, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), dispõe em seus artigos 243 e 243-A:
“Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.
Pena: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias.
Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Pena: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)”.
Frisa-se que em caso de reincidência, pelo CBJD, o atleta poderá ser banido do futebol, sem contar que a Confederação Brasileira de Futebol, pode solicitar à Fifa, a ampliação da punição aos atletas envolvidos em esquemas de apostas esportivas, pedindo que os jogadores punidos pelo STJD sejam impedidos de atuarem em clubes do exterior.
Ademais, além das punições criminais e esportivas, o atleta sofrerá as penas morais por sua conduta, mormente pelos clubes de futebol, pois mesmo que não seja reincidente, aqueles não terão a confiança de que o jogador não prejudicará o time, ocorrendo, deste modo, um banimento tácito do atleta perante o futebol.
Portanto, verifica-se que uma simples conduta do atleta, empresários e apostadores, podem configurar a prática de vários delitos, fazendo-se necessária a atuação de uma defesa técnica especialista, para que lhe seja concedido algum benefício, como o Acordo de Não Persecução Penal, ou na pior das hipóteses, uma pena justa.
*Lara Raysa Tavares de Souza é advogada especialista em Direito Penal e Processo Penal, integrante da equipe de advogados do Escritório Pinheiro Advogados Associados.