Contraditório participativo e tutela antecipada antecedente: entre celeridade e segurança jurídica

*Augusto de Paiva Siqueira

O princípio do contraditório constitui uma autêntica expressão do princípio democrático no âmbito processual, tendo em vista que é por intermédio dele que as partes contribuem para o exercício da jurisdição. No ordenamento jurídico brasileiro, o referido princípio encontra previsão expressa no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, de modo que o seu exercício e plena observância está inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais. Já no âmbito infraconstitucional, o Código de Processo Civil de 2015, fortemente influenciado pela perspectiva da “constitucionalização do processo”, também atribuiu ao referido princípio o status de “Norma Fundamental”, expressamente assegurando a paridade de tratamento entre as partes, ao passo em que também impôs ao juiz o dever de zelar pelo seu exercício efetivo.

Na presente reflexão, é importante partir das perspectivas apresentadas por esse princípio enquanto percurso necessário à consolidação da segurança jurídica. Para Fredie Didier (p. 106-107), o contraditório se subdivide em formal e substancial, sendo que na primeira dimensão trata-se da garantia da parte ser ouvida, ou seja, de manifestar a sua pretensão no processo, enquanto que na segunda se refere à aptidão de exercer a influência sobre o órgão jurisdicional com a apresentação de argumentos, exposição de fatos e articulação de teses jurídicas.

Complementando essas definições, Leonardo Greco (p. 514) ainda faz alusão a ideia de “contraditório participativo” ao também atribuir uma projeção humanitária ao princípio. Destarte, por esse viés, o contraditório pressupõe a integração do Juiz no diálogo processual, pois considera que a autoridade judiciária, na qualidade de condutor do processo, não deve se portar indiferente às alegações apresentadas por cada um dos polos adversários e tampouco se limitar ao papel de “mero fiscal” do exercício do direito. O Juiz, nessa perspectiva cooperativa, atua para que ele próprio converse com os litigantes, expondo o seu raciocínio e permitindo que o jurisdicionado possa acompanha-lo, compreensão essa que parece emergir da interpretação conjunta dos artigos 6º e 7º ambos do CPC.

No contexto das tutelas provisórias, porém, a conciliação do contraditório participativo sempre foi objeto de controvérsia. É que, nessa situação, o art. 9º, parágrafo único, inciso I do CPC torna possível a concessão da providência antecipatória antes mesmo da parte adversária se contrapor a pretensão do autor, ou seja, antes de ser ouvida e de exercer o seu poder de influência, em razão do risco de perecimento do direito. Para Leonardo Greco (p. 516), nessa situação, a eventual franquia do direito ao contraditório postergado à parte demandada significa, em termos práticos, em “contraditório nenhum”, porque resulta numa tentativa frustrada de remediar a lesão ao direito processual quando já efetivada a invasão na esfera jurídica do jurisdicionado.

No centro dessa relação conflituosa entre o contraditório e a tutela provisória, o juízo de ponderação, norteado pelo princípio da proporcionalidade, encontra um ambiente fértil para superar essa colisão. Se de um lado há o direito de acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV da CF), doutro há o direito de se contrapor à pretensão requerida. A melhor solução quando houver dúvida razoável quanto ao preenchimento dos requisitos autorizadores da tutela provisória, portanto, aparenta ser a sobreposição do direito ao contraditório participativo, notadamente pela prudência a evitar a agressão apressada à esfera jurídica individual.

Já no âmbito da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, porém, a conciliação com o contraditório participativo encontra uma dificuldade adicional, tendo em vista a possibilidade de estabilização dos efeitos da tutela e a singularidade do seu fundamento não se contentar com o conhecido “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”. Segundo o art. 303 do CPC, quando a “urgência for contemporânea à propositura da ação”, a parte autora poderá se limitar a deduzir uma petição inicial

específica, restrita a requerer a pronta concessão do “bem da vida”, se reservando no direito de, posteriormente, acrescentar as complementações necessárias (art. 303, §1, inciso I c/c o art. 319 do CPC). Uma vez concedida a pretensão, e não havendo oposição formal do réu por intermédio do recurso cabível, a legislação processual possibilita a incidência do efeito estabilizador que, em termos práticos, atribui ânimo de definitividade à decisão interlocutória após escoado o prazo decadencial de dois anos para revisão, modificação ou invalidação, na forma do art. 304, caput e §2º do CPC.

Trata-se, sem dúvida, de inovação introduzida no Direito Processual Civil brasileiro com o advento da Lei nº 13.105/15. Para Flávia Hill (p. 377 e p. 390), o instituto põe em evidência os avanços da sociedade no âmbito processual, porque reflete a inconstância das relações sociais e acompanha a fluidez dos anseios individuais na era da sociedade de informação. Por consequência disso, as disposições relativas à tutela antecipada antecedente têm o notório efeito de deslocar às partes a opção pela índole do julgamento: se mais célere, com a atribuição do efeito estabilizador à decisão interlocutória; ou se mais alinhado com a segurança jurídica, possibilitando a continuidade do processo até julgamento por sentença e formação da coisa julgada.

Mas, diante desse dilema entre “celeridade” e “segurança jurídica” como conciliar a tutela antecipada antecedente com a ideia de contraditório participativo tão valorizada pelo atual Código de Processo Civil? Da forma como foi concebida, essa espécie de tutela satisfativa busca superar um dos principais desafios do Direito Processual contemporâneo que é atribuir eficácia prática ao direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII da CF c/c art. 4º do CPC). Com efeito, ao buscar uma resposta à “morosidade”, a relativização do contraditório prévio deve necessariamente partir da excepcionalíssima hipótese em que a urgência se mostrar “contemporânea à propositura da ação”, mas de tal modo que a cooperação processual prévia apresente o risco concreto de causar um “mal maior” comparado ao que se pretendeu evitar.

Em todo o caso, é certo que o contraditório participativo deverá ser imediatamente observado, ainda que com grau de efetividade condicionado à postura da parte. Destarte, uma vez reconhecida a “urgência contemporânea à propositura da ação”, tanto o autor poderá optar pelo prosseguimento da ação com o julgamento por sentença, quanto o réu poderá se insurgir por meio do recurso adequado, sendo que, caso adotadas alguma dessas posturas, o procedimento processual será redirecionado para o caminho mais longo, possibilitando o exercício amplo do contraditório, a instrução probatória e a formação da cognição exauriente. Do mesmo modo, é possível que as partes também se contentem com o efeito estabilizador – tanto pela postura do autor que não insiste no sequenciamento do feito, quanto pela postura do réu que se abstém de recorrer. A inércia do réu, inclusive, é recompensada com a redução dos encargos processuais (Enunciado nº 18 da ENFAM), o que também torna vantajosa a opção pela celeridade processual.

Aliás, é nesse ponto que a atividade estratégica do advogado se revela de suma importância, pois, em se tratando de segurança jurídica, a doutrina majoritária aponta pela presença de distinções relevantes entre a “estabilização” e a coisa julgada. Embora haja respeitadas vozes doutrinárias que pretendam equiparar os institutos, tem prevalecido a orientação de que o efeito estabilizador não se equipara à sentença que encerra o processo com resolução de mérito, pois não é precedido do diálogo proporcionado pelo contraditório participativo, daí defluindo a conclusão de que se trata de ato jurisdicional sui generis – pois não se enquadra na bipartição estabelecida pelos artigos 485 e 489, ambos do CPC.

Por outro lado, a coisa julgada material, por força do art. 502 do CPC, é a qualidade da sentença que a torna imutável e indiscutível, atributos esses que não são evidenciados na decisão estabilizadora, seja por disposição legal expressa (art. 304,

  • 6º do CPC), ou mesmo porque ela não tem o condão de definir o mérito da ação, tanto que se submete à impugnação por meio de ação autônoma diversa da ação rescisória

– a ser proposta pelo autor ou pelo réu – para modificar, revogar ou invalidar a decisão

estabilizadora, desde que apresentada no prazo decadencial de dois anos. Uma vez proposta a sobredita ação, sua tramitação seguirá às normas relativas ao procedimento previsto para o processamento do pedido principal, ficando assegurado o exercício do contraditório participativo pelo natural sequenciamento da demanda rumo ao desfecho da cognição exauriente.

Portanto, é factível concluir que o instituto da tutela de urgência antecedente não é, por si só, incompatível com a ideia de ‘contraditório participativo” e que, a depender do objetivo do jurisdicionado, esse instrumento poderá ser (ou não) a solução mais efetiva à pacificação do conflito. Primeiro, porque é possível que o juízo de proporcionalidade em torno da colisão entre os direitos de acesso à Justiça em contraponto com o contraditório seja avaliado quando do deferimento da tutela antecedente, em atenção especial ao caráter excepcional da medida que é fundada na “urgência contemporânea à propositura da ação”. Segundo, porque a possibilidade de adequação do procedimento à natureza do conflito é imperativo que se amolda ao diálogo humanitário, o qual encontra previsão no art. 139, inciso VII do CPC, de modo que, uma vez superado o juízo de proporcionalidade, é possível que o contraditório participativo seja imediatamente exercido com precedência à avaliação liminar da tutela. Terceiro, e por fim, é possível notar que andou bem a legislação processual ao relegar às partes o direito de optarem pelos rumos do processo, seja por intermédio da solução célere com a decisão estabilizadora, ou mesmo em prestígio à segurança jurídica com a formação da coisa julgada, sendo que, independentemente da escolha, permanece indispensável a deferência ao contraditório.

*Augusto de Paiva Siqueira é advogado pós-graduando em Direito Processual Civil (UERJ); Pós-graduando em Direito Público (UFG). Especialista em Direito do Consumidor pela UFG (2020). Graduado em Direito pela PUC-GO (2018). Venceu em segundo lugar os prêmios nacionais de dissertações do CADE (2017) e de monografias da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (2017). Atualmente é Procurador de Prerrogativas da OAB-GO, aprovado no primeiro concurso público da Seccional (2018).  

Referências bibliográficas 

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo do Conhecimento. Volume I. Ed. JusPodium. 2019. “2.4. Princípio do contraditório”. pp. 106-113.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Volume I. 5. Ed. Rio de Janeiro: GEN Forense. 2015. “22.2. Princípio do contraditório”. pp. 513-518.

HILL, Flávia Pereira. “O regime da estabilização da tutela antecipada”. In MENDES, Aluisio Gonçalves et al (Org). O novo processo civil brasileiro. Temas relevantes – Estudos em Homenagem ao Professor, Jurista e Ministro Luiz Fux. Rio de Janeiro: GZ Editora 2019. pp. 377-392.