Sued Araújo Lima*
Na advocacia, a relação com o cliente é construída com base em confiança, comunicação clara e, muitas vezes, expectativas difíceis de alinhar. Por mais que o profissional atue com responsabilidade, ética e técnica, basta um ruído na comunicação para gerar insatisfação — e, em alguns casos, uma representação disciplinar perante a OAB.
Embora nem toda reclamação se converta em processo ético, é fato que muitos procedimentos disciplinares começam com mal-entendidos que poderiam ter sido evitados com atitudes simples do advogado no dia a dia.
Por isso, mais do que reagir a uma representação, o melhor caminho é a prevenção. E este artigo é justamente sobre isso: como evitar que um desentendimento profissional evolua para um problema institucional.
Entenda o que pode gerar ruído (e como a OAB enxerga isso)
O cliente, via de regra, não entende as regras do processo. Ele não sabe diferenciar um despacho de um julgamento, não tem noção de prazo legal e, muitas vezes, espera resultados que o advogado não pode prometer.
Além disso, a OAB tem como uma de suas principais funções zelar pela disciplina e ética profissional. Isso significa que, mesmo diante de representações frágeis ou infundadas, ela é obrigada a abrir uma triagem preliminar e analisar a situação.
Ou seja: o simples desentendimento com o cliente pode, sim, gerar uma dor de cabeça desnecessária — mesmo que o advogado esteja certo.
O que você pode fazer para se proteger de forma preventiva
Evitar processos éticos não é sobre se blindar, mas sobre atuar com transparência, registros e postura profissional consistente. Veja alguns pontos práticos:
- Formalize tudo que puder
Evite acordos verbais ou orientações por telefone sem registro. Use e-mail, mensagens escritas ou até um termo de contratação assinado com clareza sobre:
- O objeto da atuação;
- Limites do mandato;
- Honorários (inclusive o que não está incluído);
- Possibilidade de risco ou resultado desfavorável.
- Alinhe expectativas desde o início
Explique o que o cliente pode e o que não pode esperar do processo. Deixe claro, por exemplo:
- Que não há como garantir vitória;
- Que os prazos dependem do Judiciário;
- Que nem toda movimentação será visível ou rápida.
- Documente os atendimentos
Mantenha registros objetivos do que foi tratado com o cliente em cada encontro ou conversa. Isso pode ser feito por:
- E-mail de follow-up após reuniões;
- Fichas de atendimento digitalizadas;
- Prints de mensagens com datas e horários.
- Cumpra prazos com diligência (ou justifique por escrito)
Boa parte das representações começa com alegações de “abandono de causa”. Mesmo que infundadas, muitas vezes o advogado não deixou nenhum registro que prove que estava agindo ou aguardando prazo processual.
Se não puder atuar de imediato, informe o cliente. A simples devolutiva pode evitar desgastes.
- Comunique o encerramento da atuação
Ao concluir ou deixar de atuar em um caso, comunique por escrito, especialmente quando:
- Houver revogação do mandato;
- A causa tiver sido finalizada;
- Os honorários remanescentes não forem pagos.
Isso evita que o cliente “ache” que o processo ainda está em andamento sob sua responsabilidade.
E se, mesmo assim, vier uma representação?
Infelizmente, nem toda insatisfação é racional. Mesmo com todas as precauções, ainda assim você pode ser surpreendido com uma notificação da OAB.
Nesses casos:
- Leia com calma a notificação. Nem toda representação se transforma em processo. Algumas são arquivadas já na triagem.
- Apresente uma resposta técnica e bem documentada, com os registros que demonstram sua conduta ética.
- Evite responder de forma emocional ou impulsiva. O foco deve ser demonstrar que o cliente foi informado, orientado e atendido de forma profissional.
Conclusão
Processos disciplinares não são, necessariamente, reflexo de má conduta. Mas podem ser evitados com organização, clareza e postura preventiva no relacionamento com o cliente.
Advogados que atuam de forma diligente, com documentação mínima e comunicação ativa, têm não só mais segurança jurídica, como também mais tranquilidade no exercício da profissão.
No fim das contas, não se trata apenas de cumprir o Estatuto da OAB, mas de proteger aquilo que sustenta a advocacia: a confiança.
*Sued Araújo Lima é sócio do escritório Merola & Ribas Advogados. especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.