Como advogar de acordo com a Nova Lei de Licitações

Professor e advogado Ariston Araújo

Ariston Araújo*

Neste artigo quero tratar exclusivamente da atuação do advogado privado frente à nova (que nem é tão nova assim, pois já completou dois anos) Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

Uma colega advogada me alertou que tenho falado muito sob o prisma da Administração Pública, o que é verdade, porém neste trabalho pretendo compensar um pouco este fato oferecendo dicas e sugestões aos advogados que atuam na área de contratação pública, mas ao lado dos licitantes e dos empresários. Por isso mesmo quero me ater somente à atuação do advogado privado, deixando a questão do advogado público para outra oportunidade.

E começo falando do art. 133 da Constituição Federal, que, apesar de parecer um clichê, é muito importante: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Bom, se é indispensável à administração da justiça também o é nos processos administrativos, sobretudo neste momento de extrema especialização e profissionalização que norteiam a carreira jurídica.

Feita esta citação constitucional, vamos aos fatos mais comezinhos. Há que se dizer, primeiramente, que, se por um lado a Lei 14.133 valorizou e ampliou a atuação do advogado público nas contratações por ela regida, também prestigiou o advogado privado. A começar pela possibilidade de o advogado declarar a autenticidade de cópia de documento público ou particular, sob sua responsabilidade pessoal (art. 12, IV). No mais, as referências dizem respeito à forma mais democrática e menos autoritária que a norma trata os licitantes e/ou contratados da Administração Pública, que são os clientes dos advogados privados em seu exercício profissional.

Um exemplo típico desta afirmação está contido no art. 123, pelo qual a Administração tem o prazo de 1 mês para decidir sobre eventuais reclamações feitas pelas empresas contratadas relacionadas à execução do contrato. Tal artigo representa uma inovação da lei, não previsto na lei de 1993, a 8.666, e, obviamente, caberá ao advogado formular tal reclamação.

Outro exemplo: nas hipóteses de extinção dos contratos de que trata o art. 137 e seguintes, em que a lei mitigou um pouco as exacerbadas prerrogativas da Administração Pública contidas na Lei 8.666, o caput do mencionado artigo diz expressamente os motivos para extinção do contrato, e aduz que deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados e contraditório e a ampla defesa, ou seja, garante a atuação do advogado representante da empresa contratada.

Após estes exemplos que privilegiam a atuação do advogado privado, quero utilizar esta segunda e última parte deste artigo para fornecer algumas dicas aos colegas que pretendam atuar profissionalmente vis-à-vis da Lei 14.133. São elas:

1ª) Conheçam os princípios que devem ser observados na aplicação da lei, listados no art. 5º:  legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,  interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável. Note-se que os cinco primeiros são àqueles constantes do caput do art. 37 da Constituição Federal, que norteiam a Administração Pública, e os demais dizem respeito às contratações públicas, os quais estão em número bem maior que aqueles previstos no art. 3º da Lei 8.666, o que reflete a amplitude da nova lei; conhecer estes princípios pode ser uma boa estratégia para a confecção das peças jurídicas;

2ª) Além destes princípios, é de fundamental importância que os colegas advogados estudem todas as definições que a lei fez em seu art. 6º, num total de 60 termos técnicos, que podem ajudar na interpretação da norma como um todo e, de consequência, aperfeiçoar o trabalho jurídico. A lei 8.666, também em seu art. 6º, traz algumas definições (apenas 20 termos), o que se mostrou insuficiente para atender toda a complexidade de um processo de contratação;

3ª) Atentem-se para os atos que foram editados pelo poder público para regulamentar a Lei 14.133, pois, como se sabe, ela permite a qualquer Ente Federado que faça sua própria regulamentação, sem a necessidade de uma lei suplementar. São mais de 50 dispositivos da norma que necessitam de regulamentação, alguns inclusive imprescindíveis para sua utilização, como, por exemplo, aquele previsto no art. 20, que proíbe à Administração adquirir artigos de luxo;

4ª) Muita atenção que, desde abril de 2021, os crimes licitatórios, que estavam previstos nos artigos 89 a 108 da Lei 8.666, foram incorporados ao Código Penal Brasileiro, em seus artigos 337-F a 337-P, sendo que, além do aumento significativo das penas, houve um aumento dos tipos penais. Desta forma, a Lei 14.133 não contém a parte relacionada aos crimes licitatórios;

5ª) Outra dica, que já existia na Lei 8.666, mas, por sua importância, faço questão de dar, e se refere às impugnações do Edital e pedidos de esclarecimentos, de que trata o art. 164. Por experiência própria, sugiro aos colegas que, havendo segurança jurídica de que o Edital (ou o Termo de Referência) contém irregularidades, façam diretamente a sua impugnação, em vez do pedido de esclarecimento, pois a impugnação faz com que a Administração vislumbre a possibilidade de refazer o Edital para corrigir os defeitos apontados, sobretudo porque normalmente se ouve o Jurídico do órgão, que recomenda tal atitude, visando evitar futuras batalhas judiciais com o consequente empastelamento do procedimento licitatório;

6ª) Outra: seja objetivo, direto e use linguagem simples e compreensível em suas peças jurídicas. Aliás, a Lei 14.133, em seu art. 53, II, já exige que o Parecer Jurídico seja emitido com este teor e, não custa lembrar, a OAB-GO assinou, em setembro de 2022, um Termo de Cooperação Técnica com o Tribunal de Justiça de Goiás para implementação da linguagem simples nos atos processuais, que foi coordenado pela OAB pelo professor e advogado Carlos André Pereira Nunes;

7ª) Última dica: utilize a prerrogativa contida no § 4º do art. 170, segundo o qual qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica pode representar aos órgãos de controle interno ou ao tribunal de contas competente contra irregularidades na aplicação da 14.133. Minha sugestão: faça primeiro uma representação ao controle interno do órgão, pois há grande chance de resolver a situação sem ter que acionar o controle externo, no caso o tribunal de conta respectivo.

Como conclusão, pode-se dizer que a Lei 14.133 representa uma boa oportunidade profissional para o advogado privado, pois trouxe muitas inovações e uma nova visão das contratações públicas, em face do poder público e, também, dos licitantes e contratados. Mas, para que se possa aproveitar esta oportunidade, os colegas devem estudá-la com afinco e determinação!

*Ariston Araújo é advogado especializado em Licitações e Contratações Públicas.