Chamamento ao processo e fiança – Aspectos práticos e implicações processuais das relações entre fiador e afiançado

Gustavo Beraldo e Vitor Mendes de Oliveira*

O chamamento ao processo se caracteriza como forma de intervenção de terceiro provocado pelo réu. Esse instrumento processual visa reunir, em um único feito, todos os sujeitos potencialmente responsáveis pela obrigação discutida. É de suma importância a concentração dos coobrigados para evitar a fragmentação do litígio e evitar futuras demandas entre os devedores solidários. Ao permitir que o réu, já demandado, chame um terceiro – seja ele solidário ou subsidiário –, o novo CPC busca assegurar a eficácia e a integralidade da prestação jurisdicional, promovendo a celeridade e a economia processual.

No entanto, há de se destacar que essa não é a única modalidade de intervenção de terceiros, existindo ainda a denunciação da lide, a nomeação à autoria e a assistências, cada uma com finalidades e requisitos únicos. Este artigo analisa o conceito, as complexidades jurídicas e a extensibilidade das relações advindas do chamamento ao processo, tomando como objeto concreto de análise a relação de fiança estabelecida entre fiador e afiançado.

Inicialmente, para delimitar o parâmetro conceitual adotado, conceitua-se que o chamamento ao processo, previsto no artigo 130 do Código de Processo Civil, ocorre quando o réu, ao ser demandado em uma ação, identifica que há um outro responsável, solidário ou subsidiário, pela obrigação que está sendo discutida. Nesse caso, ele pode chamar esse terceiro para integrar o processo. O objetivo é permitir que o terceiro tenha a oportunidade de discutir no mesmo processo sua eventual responsabilidade, promovendo a solução completa do litígio.

De acordo com o Athos Gusmão Carneiro, “pelo chamamento ao processo, ao réu assiste a faculdade (não a obrigação) de, acionado pelo credor em ação de conhecimento sob rito ordinário, fazer citar os coobrigados a fim de que estes ingressem na relação jurídica processual como seus litisconsortes, ficando destarte abrangidos pela eficácia da coisa julgada material resultante da sentença”

Adiante em debate, transpondo a análise jurídica para o plano cotidiano, a relação jurídica estabelecida entre fiador e afiançado amolda-se perfeitamente ao instituto jurídico debatido, já que a fiança é um contrato acessório pelo qual o fiador assume a obrigação de garantir o cumprimento de uma dívida assumida pelo afiançado perante um credor. Essa relação jurídica baseia-se no princípio da garantia pessoal, em que o fiador se compromete a pagar a dívida caso o devedor principal não o faça, relação muito comum na compra e venda e na locação de imóveis, por exemplo.

Nesse ínterim, é essencial reiterar que o Código de Processo Civil (CPC) disciplina, em seus artigos 130, 131 e 132, mecanismos que permitem ao fiador proteger-se contra os riscos inerentes ao cumprimento da obrigação afiançada antes que o devedor principal seja chamado a responder pela obrigação assumida. Um desses mecanismos é o chamamento ao processo. Caso o credor ingresse com ação contra o fiador para exigir o cumprimento da obrigação garantida, este pode requerer a citação do afiançado para integrar a relação processual.

Tal prerrogativa decorre da necessidade de assegurar que o fiador não arque sozinho com a obrigação garantida, permitindo que o devedor principal seja chamado ao processo para cumprir diretamente a dívida. Dessa forma, ao incluir o afiançado na relação processual, o fiador busca evitar o adimplemento isolado da obrigação, garantindo que a decisão judicial incida sobre todos os corresponsáveis pela dívida.

No entanto, é importante delimitar também que existem duas possibilidades de estabelecer o vínculo jurídico de fiança, pois o fiador solidário e o fiador subsidiário possuem diferentes prerrogativas para ingresso processual. A distinção entre fiador solidário e fiador subsidiário repousa essencialmente no momento e na forma como podem ser acionados para o cumprimento da obrigação garantida.

O fiador solidário vincula-se à dívida da mesma maneira que o devedor principal, podendo ser diretamente demandado pelo credor sem necessidade de prévia excussão dos bens do afiançado, sendo, portanto, devedor primário no cumprimento da obrigação. Já o fiador subsidiário apenas será acionado caso reste demonstrada a inadimplência do afiançado e a insuficiência de seus bens para saldar a dívida, beneficiando-se, assim, do chamado benefício de ordem. O chamamento ao processo, quando aplicado ao fiador solidário, por exemplo, permite que este exija a presença dos demais cofiadores ou do afiançado na ação, para que a responsabilização seja corretamente imputada, enquanto a necessidade de esgotamento prévio dos bens do devedor principal pode condicionar o deferimento do chamamento.

O procedimento para a efetivação do chamamento ao processo estabelece que a citação dos chamados deve ser requerida pelo réu na contestação e promovida no prazo de 30 dias, prorrogável em casos de paradeiro incerto do citando, ou caso este more em comarca estranha à ação judicial. Caso a citação não seja realizada dentro desse período, o chamamento perde sua eficácia, e o processo prossegue apenas com as partes originalmente demandadas. Logo, a responsabilização proporcional entre os fiadores, em conformidade com o que foi pactuado no contrato de fiança, constitui princípio chave desta relação processual.

Caso a decisão seja procedente e o fiador seja compelido a satisfazer a obrigação, a sentença constituirá título executivo em seu favor, nos termos do artigo 515, I, do Código de Processo Civil, permitindo-lhe buscar o ressarcimento do montante pago. Dessa forma, o fiador que houver quitado a dívida poderá cobrar integralmente o valor pago do afiançado, em razão do direito de regresso previsto no artigo 831 do Código Civil. No caso de cofiadores, o pagamento feito por um deles gera o direito de exigir dos demais a quota-parte correspondente, salvo se a fiança tiver sido prestada com cláusula de solidariedade entre os fiadores.

O chamamento ao processo, embora não integre diretamente o contrato de fiança, está intimamente ligado a ele e pode ser utilizado caso o fiador seja demandado antes do devedor principal. Esse mecanismo processual contribui para a segurança jurídica e reforça o princípio pacta sunt servanda, ao permitir que todos os corresponsáveis pela obrigação participem da relação processual. Dessa forma, evita-se que o fiador arque isoladamente com a dívida garantida sem que o devedor principal seja chamado a cumprir sua obrigação.

Por fim, resta claro que os artigos 130, 131 e 132 do CPC estruturam um mecanismo processual essencial para garantir a isonomia jurídica e a segurança contratual nas relações decorrentes de um contrato de fiança, permitindo um tratamento equitativo das obrigações e viabilizando a aplicação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e da economia processual.

*Gustavo Filipe Beraldo é graduando em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG); estagiário na Equipe de Direito Cível no GMPR Advogados; vencedor da 6ª Competição Goiana de Processo Civil; membro do Instituto de Estudos Avançados em Direito.

*Vítor Mendes Freitas de Oliveira é graduando em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG); estagiário na Equipe de Direito Público no GMPR Advogados; vencedor da 6ª Competição Goiana de Processo Civil; membro do Instituto de Estudos Avançados em Direito.