Pedro Paulo de Medeiros*
A recente decisão da Câmara dos Deputados de suspender a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (RJ) reacendeu um velho debate: o uso político da imunidade parlamentar para obstruir a Justiça. Acusado de participar de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, Ramagem foi beneficiado por um dispositivo constitucional pouco utilizado, mas não novo.
Até 2001, parlamentares só podiam ser processados criminalmente se a respectiva Casa Legislativa autorizasse. Não é que nunca fossem condenados: é que sequer eram processados. O Supremo ficava de mãos atadas porque o Congresso, muitas vezes, nem apreciava os pedidos, simplesmente os engavetava. Isso começou a mudar com a Emenda Constitucional nº 35, aprovada após forte pressão popular, que alterou o artigo 53 da Constituição. A nova regra inverteu a lógica: agora o Supremo pode receber a denúncia diretamente e apenas comunica à Casa, que pode, por maioria absoluta, sustar o processo.
Mas, desde então, essa prerrogativa jamais havia sido exercida. Nenhuma ação penal havia sido paralisada. Isso mudou agora.
O texto aprovado pela Câmara não delimita a suspensão apenas a Ramagem, podendo beneficiar outros réus, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o crime imputado ao deputado teria ocorrido antes de sua diplomação, o que, segundo o entendimento do STF, retira a proteção constitucional da sustação. Em outras palavras, a imunidade seria inaplicável.
O Supremo terá a palavra final. Se acatar a decisão da Câmara, o processo ficará suspenso, com a prescrição congelada. Se um dia Ramagem perder o mandato, a ação penal volta a tramitar normalmente. Mas é inevitável a dúvida: o uso pontual dessa prerrogativa rompe um pacto institucional silencioso dos últimos vinte anos. Seria isso uma afirmação legítima da independência dos poderes? Ou um perigoso retorno à blindagem do foro?
A resposta dirá muito sobre o Brasil que estamos construindo.
*Pedro Paulo de Medeiros é advogado criminal, conselheiro federal e presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB Nacional.