Casas legislativas e o marco temporal

Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro*

A Constituição Federal consagra o princípio da segurança jurídica em seu art. 5º, XXXVI, ao dispor que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Em termos de conceitos, o art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro reputa como ato jurídico perfeito aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

A LINDB, reforçando o direito fundamental à segurança jurídica, estabelece que as decisões judiciais sobre a validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

Nessa linha de intelecção, tem-se a impossibilidade de se anular um ato jurídico perfeito, cujas etapas de produção foram completadas, quando o fundamento da invalidade for um overruling.

Tanto é que os atos normativos que regulam as ações de controle concentrado de constitucionalidade, inclusive a ADPF (art. 11 da Lei nº 9.882/99), possibilitam a modulação dos efeitos das decisões proferidas para preservar a segurança jurídica. A arguição de descumprimento de preceito fundamental, aliás, tem como principal objetivo a prevalência da rigidez constitucional e a segurança jurídica.

No julgamento das ADIs 6688, 6698, 6714, 7016, 6683, 6686, 6686, 6687, 6711 e 6718, o Supremo Tribunal Federal, em relação à modulação dos efeitos das decisões que declararam inconstitucionais dispositivos que permitiam mais de uma reeleição sucessiva para membros de Mesas Diretoras do Poder Legislativo, adotou o entendimento de que as eleições anteriores à tese firmada não serão consideradas.

Confira-se, ipsis litteris:

(iii) o limite de uma única reeleição ou recondução, acima veiculado, deveorientar a formação da Mesa da Assembleia Legislativa no período posterior à data de publicação da ata de julgamento da ADI 6.524, de modo que nao serão consideradas, para fins de inelegibilidade, as composições eleitas antes de 7.1.2021, salvo se configurada a antecipação fraudulenta das eleições como burla ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Além disso, especificamente no âmbito das Câmaras Municipais, o Supremo Tribunal Federal adotou entendimento idêntico, consoante se extrai do julgamento da ADPF 959, validando a eleição interna realizada para o biênio 2023-2024, não obstante a interpretação conforme promovida à respectiva Lei Orgânica, inverbis:

  • conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 35, §2º, da Lei Orgânica do Município de Salvador, na redação dada pela Emenda de n.39/2022, e ao art. 6º, caput, do Regimento Interno da Câmara Municipal, com o texto da Resolução n. 3.095/2022, de forma que seja permitida uma única recondução sucessiva ao mesmo cargo na respectiva Mesa Diretora, independentemente da legislatura, observado, para efeito de inelegibilidade, o marco temporal alusivo à publicação da ata de julgamento da ADI 6.524 – 7 de janeirode2021; e (ii) assentar a legitimidade da eleição da Mesa Diretora da Câmarados Vereadores de Salvador/BA para o biênio 2023-2024, revogando totalmente a medida cautelar concedida em 6 de outubro de 2022.

No voto, o Ministro Relator explicou que o marco temporal fixado, destinado à preservação da segurança jurídica, impõe-se que sejam desconsideradas, para efeito de contagem de reeleição, todas as composições eleitas antes de 07/01/2021:

(…) o Supremo, em julgamento conjunto realizado na sessão de 7 de dezembro de 2022, uniformizou o entendimento quanto ao marco temporal de aplicação da tese jurídica alusiva ao limite de uma única recondução sucessiva, no sentido de orientar a formação das mesas diretoras das casas legislativas no período posterior à data de publicação da ata de julgamento da ADI 6.524, de forma que não serão levadas em conta, para efeito de inelegibilidade, as composições eleitas antes de 7 de janeiro de 2021. Referido marco, direcionado à concretização da segurança jurídica, prescinde de verificação da composição de mesas diretoras em biênios anteriores. A publicação da ata de julgamento da ADI 6.524 torna-se o ponto zero para a aferição da inelegibilidade.

Logo, conclui-se que o marco temporal fixado impede que, na contagem do limite de reconduções sucessivas, sejam consideradas as composições eleitas antes. Nesse sentido, as eleições realizadas após 07/01/2021, para o biênio 2023-2024, correspondem à primeira e única desde o marco temporal e devem ser observadas para às próximas Eleições de Mesas Diretoras de Casas Legislativas Municipais – que ocorrerão no próximo primeiro dia do ano de 2025.

*Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro é advogado especialista em Direito Legislativo, ex-Procurador Geral da Câmara Municipal de Goiânia.