Caos dos presídios e o STF!

A militância por mais de duas décadas na advocacia criminal tem colocado à prova não só a persistência para minha atuação na área mas também a descrença nos discursos que ouço relacionados à busca de soluções para a crise do sistema prisional, que não é nova. Hoje, apesar das sugestões dadas pelas autoridades, as inúmeras rebeliões, mortes e fugas deixaram de ser a exceção. Estamos assistindo mais um capítulo dessa crise: 56 mortes no complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus, 31 mortes na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo em Roraima, 26 mortes no Presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte.

Para surpresa de todos, além do Executivo, responsável pela administração do sistema prisional, o Supremo Tribunal Federal, na pessoa da presidente Cármen Lúcia, posicionou-se a respeito da crise. Não tem sido poucas as reuniões dela com o ministro da Justiça, governadores, secretários de Segurança Pública, presidentes de Tribunais de Justiça. A alegação é o desejo de encontrar soluções para os deslindes.

No entanto, acredito que ainda está longe o  desfecho definitivo e positivo para o caso. Isso porque, se fizermos um levantamento na história podemos perceber que muito já foi tentado, mas os resultados positivos são ínfimos. Em 1984,  por exemplo, foi editada a Lei 7.210/84, que introduziu as penas alternativas, que objetivam desinchar as cadeias. Em 1995, foram criados os Juizados Especiais Criminais e, posteriormente, novas leis surgiram para permitir a possibilidade da composição civil (com a vítima) e/ou a transação penal (com o Ministério Público) nos chamados crimes de menor potencial ofensivo. Outra tentativa foi a edição da Lei 9.714/98, que visou dar um fôlego às penas restritivas de direito, ampliando as possibilidades de sua aplicação aos crimes com penas fixadas até quatro anos de reclusão.

Todas essas alternativas criadas de  institucionalização das penas e as medidas alternativas não diminuíram os níveis de encarceramento no Brasil. Ao contrário, a curva permanece crescente, gradual e constante, o que bem pode retratar a falácia dos discursos que se mantém firmes, até com belas intenções, quando da defesa dos instrumentos substitutos com vistas a diminuir o impacto das políticas punitivas.

E, o que é pior, recentemente, a Suprema Corte, que hoje busca solução para a crise carcerária, em julgamento do Habeas Corpus nº 126.292, permitiu o cumprimento de pena a partir da decisão de segunda instância. Por maioria de votos, 7 a 4, o Plenário determinou a prisão após a confirmação em segunda instância, embora, pendente, análise de recursos constitucionais, violando o princípio da presunção de inocência, e permitindo o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado das sentenças condenatórias.

Não consigo, assim, entender, a preocupação do STF em socorrer o caos do sistema prisional, se a decisão do HC 126.292, só vai contribuir para o inchaço das prisões.

Além disso, acredito que inúmeros presos provisórios, que no fim do processo poderão até provar sua inocência, em virtude do efeito erga omnes do HC 126.292, poderão sofrer as agruras e até morrer durante as rebeliões. É preciso, portanto, desenvolver ações com vista a reduzir o emprego da prisão provisória através de Resolução do Conselho Nacional de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal.

*Rogério Leal é advogado criminalista e professor