Breves repercussões jurídicas da má-fé nos contratos civis

*Arthur Sadrak

A relação entre os contratantes, antes mesmo da formalização do contrato até o momento posterior à sua conclusão, deve estar de acordo com os ditames da boa-fé.

Assim, agir de forma cooperada e leal, atentando-se sempre em informar a outra parte dos riscos e benefícios daquele negócio, objetivando causar segurança (certeza) naquela relação é um dever do credor e do devedor.

Esses deveres (cooperação, lealdade, informação e segurança) estão presentes em toda e qualquer relação contratual.

Quando não observado algum desses deveres, presume-se a presença de má-fé, dessa forma, o contrato se tornará inadimplido (violação positiva do contrato), ou seja, estará descumprido.[1]

E, como sabemos, ocorrendo o descumprimento surge a responsabilização, isto é, a indenização e/ou reparação do dano causado.[2]

Exemplificando: uma empresa contrata com agência de publicidade a colocação de outdoors pela cidade para a exibição de um novo produto. Todos os anúncios são colocados em locais de difícil acesso e iluminação, em que poucas pessoas tenham a possibilidade de visualizar a propaganda[3]. Neste caso, houve a quebra do dever de colaboração.

Nesse momento, o contratante lesado pode se valer de ação indenizatória, cujo prazo prescricional, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[4], é de 10 anos.

Além da indenização, havendo quebra da base objetiva do negócio é possível à parte prejudicada exercer o direito de revisão do contrato, a fim de que os objetivos esperados pelos contratantes possam ser alcançados.[5]

Outro ponto importante é que, conforme salientado no primeiro parágrafo, as partes devem agir de boa fé desde as tratativas até o momento posterior à conclusão do contrato.[6]

Na fase das tratativas (pré-contratual) o exemplo clássico é O caso dos tomates de 1992, em que uma empresa distribuía sementes a pequenos agricultores gaúchos sob a promessa de lhes comprar a produção futura. Isso ocorreu de forma continuada e por diversas vezes, o que gerou uma expectativa quanto à celebração do contrato de compra e venda da produção. Até que certa feita a empresa distribuiu as sementes e não adquiriu o que foi produzido. Os agricultores, então, ingressaram com demandas indenizatórias, alegando a quebra da boa-fé, mesmo não havendo qualquer contrato escrito, obtendo pleno êxito.[7]

Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça[8] entende que o dever de reparação não decorre do simples fato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.

Por fim, quanto a violação dos deveres da boa fé no momento posterior à conclusão do contrato (pós-contratual), é possível verificar no típico exemplo em que uma empresa de telefonia realiza a inscrição indevida do nome do consumidor no cadastro de devedores (SPC/SERADA) após o pagamento da dívida.

Do breve exposto, observamos que a boa-fé exige um agir, ou seja, além de as partes guardarem a boa intenção, hão de demonstrá-la. Assim, a postura proba das partes correlaciona-se com o seu íntimo, vale dizer, que as ações revelam o ânimo da parte, seja bom, seja mal.

*Arthur Sadrak é advogado

Referências

[1] Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa (Enunciado nº 24 da I Jornada de Direito Civil – CJF).

[2] Código Civil. Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed – Salvador: JusPodivm, 2017. P. 99.

[4] STJ, EREsp 1.281.594/SP, Corte Especial, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, j. 15.05.2019.

[5] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante: atualizado até 02 de maio de 2003. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 340.

[6] O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual (Enunciado nº 25 da I Jornada de Direito Civil – CJF). A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato (Enunciado nº 170 da III Jornada de Direito Civil – CJF).

[7] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único.  10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São

Paulo: MÉTODO, 2020. P. 914.

[8] STJ, REsp 1.051.065/AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21.02.2013, publicado no seu Informativo n. 517.