O Código de Processo Civil, expressamente, consignou que a pessoa natural ou jurídica, com hipossuficiência financeira, faz jus à concessão do benefício da gratuidade da justiça:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios têm direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Além disso, a Lei nº 1.060/50 prescreve o seguinte direcionamento:
Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas.
Ocorre que, para o deferimento, é preciso a demonstração de carência econômica, ainda que momentânea, independentemente da condição de pobreza ou miserabilidade, já que a concessão se fundamenta, exclusivamente, na possibilidade de prejuízo de sustento da parte ou da família, caso haja pagamento das custas processuais.
Cumpre consignar que a alegação de insuficiência por pessoa natural goza de presunção relativa de veracidade, devendo ser complementada por documentação comprobatória, in verbis:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(…)
- 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
Neste contexto, a matéria foi disciplinada pela Constituição Federal, que assim assentou:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Cumpre observar também que, a Constituição impôs ao Estado o dever de exigir do necessitado de acesso gratuito à Justiça, a comprovação da condição de insuficiência econômica. A orientação supramencionada é no sentido da indispensabilidade da comprovação dos requisitos para a concessão do benefício. Sobre o tema, orienta o jurista Nelson Nery Júnior:
“O Juiz da causa, valendo-se de critérios objetivos, pode entender que a natureza da ação movida pelo interessado demonstra que ele possui porte econômico para suportar as despesas do processo. A declaração pura e simples do interessado, conquanto seja o único entrave burocrático que se exige para liberar o magistrado, para decidir em favor do peticionário, não é prova inequívoca daquilo que ele afirma, nem obriga o Juiz a se curvar aos seus dizeres se de outras provas e circunstâncias ficar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio. Cabe ao magistrado, livremente, fazer juízo de valor acerca do conceito do termo pobreza, deferindo ou não o benefício.”
Deste modo, conforme também já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a presunção de hipossuficiência de recurso financeiro para arcar com as despesas processuais é relativa, veja-se:
AGRAVO INTERNO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA E PESSOA JURÍDICA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO BENEFÍCIO. REVISÃO DA CONCLUSÃO ALCANÇADA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. De acordo com entendimento do STJ, a declaração de pobreza, com o intuito de obter os benefícios da assistência judiciária gratuita, goza de presunção relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. 2. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que ‘o pedido de assistência judiciária gratuita pode ser indeferido quando o magistrado tiver fundadas razões para crer que o requerente não se encontra no estado de miserabilidade declarado.’ (AgRg no Ag 881.512/RJ, Rel. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF 1ª Região), Quarta Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 18/12/2008). (…) (STJ, AgInt no AREsp nº 1333158/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, DJe de 26/02/2019)
Ou seja, a concessão do benefício da assistência deve fundar-se em provas e análise de circunstâncias relativas ao caso concreto, sendo crucial a comprovação da insuficiência de recursos.
Nesse sentido, não é exigível que a pessoa se encontre em estado de miserabilidade absoluta, mas é necessário demonstrar que a realidade financeira não permite que a parte demande em juízo sem a concessão do benefício, ou seja, que a não concessão coloca em risco a subsistência própria ou de sua família. O doutrinador Pinto Ferreira também já se manifestou nesse sentido, senão vejamos:
(…) é justo que se preste assistência judiciária ou jurídica integral e gratuita aos necessitados, que comprovem insuficiência de recursos (…).
Há de se pontuar ainda, que o magistrado pode negar o pedido a fim de que a parte comprove o estado de hipossuficiência econômica. Essa orientação é no sentido de evitar que aquele que dispõe de condições financeiras suficientes, busque a tutela jurisdicional sem arcar com as despesas processuais necessárias. Do contrário, se o Estado atendesse a todos que alegassem estado de pobreza, o privilégio direcionado, exclusivamente, aos menos favorecidos financeiramente, seria deles retirado.
É de se ressaltar que não basta a simples alegação do estado de pobreza, sendo imprescindível a apresentação de documentação hábil, capaz de se verificar a situação financeira do necessitado em litigar às custas do Estado.
Portanto, entende-se que o magistrado é livre para apreciar os documentos juntados no processo e formar sua convicção acerca da concessão ou denegação do benefício pleiteado.
*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito Civil, Processual Civil e Empresarial no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil. Pós-graduando em Direito Agrário e Agronegócio na Faculdade Araguaia – GO. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/GO. E-mail para contato: leo_sobral_@msn.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral.
Bibliografia
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989.
NERY JUNIOR, Nelson; Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.