Maria Laura Álvares*
O edital de um concurso público é o instrumento que rege todas as etapas do certame, estabelecendo regras e critérios que devem ser seguidos tanto pela administração pública quanto pelos candidatos. Há situações, no entanto, em que a alteração do edital pode ser necessária, seja em relação a datas e cronogramas ou correção de erros comuns, são as chamadas retificações.
Neste artigo, você vai entender as hipóteses em que essa alteração é permitida e suas consequências para os candidatos. Sou Maria Laura Álvares, advogada especialista em reverter ilegalidades sofridas por candidatos em concursos públicos.
1 – Princípio da vinculação ao edital
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório determina que a administração pública deve respeitar as regras previamente estabelecidas no edital. Este princípio visa garantir a previsibilidade e a segurança jurídica dos candidatos, impedindo mudanças arbitrárias que possam comprometer a isonomia do certame.
Assim, dada a importância do edital de abertura de um concurso público, exige-se dele a mais ampla clareza em suas disposições, eis que, como já dito, daí emanarão as regras que estarão sujeitos tanto os candidatos que dele participam, quanto a administração pública.
O respeito ao edital é que preserva a isonomia entre os candidatos, que previamente podem ter acesso às regras do certame. Não pode, portanto, a banca examinadora do concurso se apoiar no princípio da discricionariedade administrativa e realizar uma alteração editalícia que viole a razoabilidade e os demais princípios da administração pública.
Pela margem de liberdade conferida à administração pública é que são definidas as datas, quantidade de vagas e critérios de avaliação aplicados aos candidatos. Essa liberdade, no entanto, não é ilimitada e deve ser exercida com base em critérios objetivos, conforme o interesse público e os princípios da administração.
2 – Hipóteses de alteração do edital
Em regra, não é possível alterar o edital após o início do concurso, mas há exceções que permitem modificações.
Alterações para corrigir erros evidentes, como datas incorretas, requisitos mal formulados ou falhas na redação são permitidas e, geralmente, não afetam os direitos dos candidatos.
Mas quando as alterações são feitas após o pagamento da inscrição ou até após a realização de algumas etapas do concurso, muitos candidatos podem ser prejudicados sem aviso prévio, o que desobedeceria não só o princípio da vinculação ao edital, mas também outros princípios básicos que regem a administração pública, como a isonomia, a eficiência, a moralidade e a boa-fé, o que, em alguns casos, pode ser considerado um ato arbitrário ilegal.
No concurso da Polícia Penal do Estado de Goiás (edital n. 02, de 02 de julho de 2024), por exemplo, foi feita uma alteração do edital após a realização das etapas de prova objetiva, prova discursiva, avaliação de saúde, teste de aptidão física, e avaliação psicológica.
No dia 12/05/2025, a banca examinadora publicou na página do concurso a Retificação n. 04, alterando a redação do item 9.8.4 do edital, referente à prova de títulos. O item original previa a contabilização dos títulos obtidos até a data de convocação para a prova de títulos. Com a retificação, só serão contabilizados os títulos obtidos até a data de publicação do edital. Então, os títulos obtidos após o dia 02/07/2024 não serão mais aceitos.
A justificativa para essa alteração foi baseada no artigo 60, §1º da Lei Estadual n. 19.587/2017, que estabelece normas gerais para a realização de concursos públicos no Estado de Goiás. Pelo artigo, somente os títulos obtidos até a data de publicação do edital podem ser aceitos.
Mas como fica a segurança jurídica dos candidatos diante de uma retificação como essa, quando o concurso já está nas fases finais?
3 – Consequências para os candidatos
A alteração do edital pode gerar impactos significativos para os candidatos, especialmente quando a alteração é feita após as etapas do concurso já estarem em andamento.
Modificações substanciais podem exigir que os candidatos adaptem sua preparação, o que pode ser prejudicial para aqueles que já estavam se preparando com base nas regras originais.
Nesses casos, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento pela impossibilidade de alteração de editais de concurso público no decorrer do certame, exceto em caso de adequação à nova legislação que rege a carreira. E esse não é o caso da retificação n. 04 do concurso da PPGO.
O entendimento do STF, inclusive, foi adotado pelo Ministério Público do Estado de Goiás, que já se manifestou contra a retificação n. 04.
Em resposta a uma denúncia feita por alguns candidatos que defendiam a retificação do edital, o MPGO decidiu arquivar a notícia de fato por entender que “eventual retificação do edital nesta fase avançada do concurso implicaria grave insegurança jurídica, desestabilizando expectativas legítimas já formadas por inúmeros candidatos que participaram do certame com base nas regras originalmente estabelecidas.”
Além disso, os candidatos tiveram a oportunidade de impugnar eventuais irregularidades do edital entre os dias 03/07 a 05/07/2024. Passado esse prazo, o direito precluiu.
Assim, uma modificação tardia nas regras do certame viola a segurança jurídica, a isonomia entre os candidatos e o interesse público.
A própria lei estadual, citada como fundamento pelos denunciantes, também estabelece em seu artigo 19, §2º, o prazo para impugnação das normas editalícias:
- 2o O edital de concurso deverá estabelecer prazo, no mínimo de 3 (três) dias úteis, para que qualquer cidadão apresente, por meio eletrônico ou petição escrita e fundamentada, endereçada ao presidente da comissão organizadora do concurso, impugnação às normas do edital, não cabendo da decisão daí advinda qualquer recurso administrativo.
A impugnação feita fora do prazo previsto é, portanto, extemporânea e não deve ser considerada.
Por fim, a modificação de uma regra do edital já nas etapas finais do concurso beneficiaria, indevidamente, apenas uma pequena parcela dos candidatos em detrimento dos demais participantes que se submeteram às regras originais do edital (especialmente aqueles que obtiveram títulos após a publicação do edital).
4 – O que um candidato prejudicado pode fazer em relação a uma retificação tardia?
Quando as alterações são feitas de modo que prejudique a classificação dos candidatos quando o certame já está em curso, esses participantes podem recorrer ao Judiciário para resguardar o direito de continuar no concurso de acordo com as regras originais do edital.
No exemplo citado referente à Retificação n. 04 do concurso da PPGO, inclusive, já existe decisão proferida pela juíza Liliam Margareth da Silva Ferreira, da 6ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia que entendeu que “[…]a readequação das datas das quais os títulos poderiam ser aceitos, em atual estágio do certame não se mostra razoável. […] Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela para determinar que, quando da convocação para fase de títulos, a banca examinadora receba os títulos do autor e realize avaliação com base no edital 02/2024 – ITEM 9.8.4, sem os efeitos da retificação nº 04, do dia 12/05/2025.”
5 – Conclusão
A alteração de um edital de concurso público deve ser feita com cautela, respeitando os princípios da legalidade, isonomia e segurança jurídica. Embora existam hipóteses em que mudanças são permitidas, qualquer alteração que prejudique os candidatos pode ser questionada judicialmente.
O candidato prejudicado deve procurar a ajuda de um advogado especialista em concursos, para garantir a sua participação no concurso nos termos originais do edital.
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*Maria Laura Álvares é advogada. Graduada pela PUC/GO em 2011 e pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Sócia do escritório Álvares Advocacia, atua de forma especializada em demandas de concursos e servidores públicos, dando suporte necessário durante todo o certame, seja pela análise de editais, esclarecimentos, impugnações administrativas e a atuação judicial para defender direitos e garantir a nomeação e posse de candidatos injustiçados, além de ajudar servidores públicos diante das injustiças praticadas pelos órgãos públicos.