A urgência do pensamento complexo para o profissional jurídico do presente e do futuro

*Silvia Piva

 Você já ouvir falar de pensamento complexo?

Depois de tudo que estamos vivendo, sentindo a incerteza todos os dias, já não podemos mais ignorar que vivemos imersos na complexidade.

Por isso, antes de temer a incerteza, inerente aos cenários complexos, devemos encará-la e estudá-la, pois é a situação de incerteza, gerada pelo que é complexo, que irá preparar qualquer profissional para lidar com as mudanças no mercado de trabalho e com as novas situações de conflito que teremos que solucionar daqui em diante.

Mas o que é pensamento complexo?

O pensamento complexo é uma mudança de paradigma para o conhecimento, pois busca mostrar o tecido comum (complexo) que conecta todos os ramos de conhecimento. Edgar Morin, filósofo francês é um dos maiores expoentes da Teoria da Complexidade e do Pensamento Complexo.

Humberto Mariotti e Cristina Zauhy, precursores em trabalhar esse tema no Brasil, trazem no artigo “Diferenças entre a teoria da complexidade e o pensamento sistêmico”, a seguinte reflexão: a complexidade é um fenômeno natural e social e essa teoria está ligada à vertente compreensiva e sintética, que se relaciona à filosofia, às artes e à cultura humanística em geral. Seu foco está nas interpretações, nas críticas e na busca de sentido (sensemaking). A complexidade está inerente a altos níveis de incerteza, pois propõe situações sobre as quais não temos controle.

Muitas pessoas confundem complexidade e pensamento sistêmico. Porém são distintos. O pensamento sistêmico tem viés mais mecanicista/industrial. É uma abordagem que procura entender mais “como funciona” do que “o que é”, conforme Zauhy e Mariotti, e busca traçar um futuro ideal e definir estratégias para alcançá-lo, pois prevê ser possível um certo grau de controle sobre a incerteza.  Remete a padrões metodológicos, a modelos pré-definidos, padrões esses que também ajudaram a formar as bases do Direito.

Foi o pensamento sistêmico que influenciou o processo de segmentação do conhecimento. Ao longo da história, dividimos as frentes de conhecimento em tecnociências e humanidades, sem nos darmos conta da imensa área cinzenta entre elas. E essa compartimentalização não nos permite enxergar o todo complexo, o seu conteúdo em múltiplas dimensões. Se essa divisão de conhecimento já foi útil para a humanidade, atualmente ela tem se apresentado como um problema.

Assim, o paradigma clássico, analítico, de causa e efeito, não consegue mais abarcar essa complexidade. Por conta disso, Edgar Morin tem enfatizado há anos a urgência do pensamento complexo para que façamos a observação não apenas das partes de um fenômeno, como também de todas relações existentes entre essas partes.

Com o pensamento complexo, busca-se uma visão de zoom out, sem perder a noção dos detalhes (zoom in).

Apesar do pensamento complexo ser uma abordagem contemporânea para solucionar a crescente complexidade dos saberes, ele não é necessariamente uma novidade. Muitos filósofos da antiguidade já percebiam que todos os conhecimentos tinham essa conexão que os unia de forma orgânica. Pitágoras e Espinosa são dois exemplos.

Então, pensemos juntos: em nossa realidade de hoje, completamente digital, na qual somos bombardeados por um volume imenso de informações a todo instante, será que ainda é possível e correto trabalhar com base em modelos pré-concebidos, que pressupõem relações de causa e efeito previsíveis e ações mecânicas, sem relação com outras áreas do conhecimento?

Acredito que não, porque a complexidade humana não pode se submeter a uma automatização de padrões metodológicos, a um modelo pré-definido. E o Direito, enquanto ciência Social e Humana, também precisa ser observado e praticado sob esse olhar.

A abordagem do pensamento complexo pode ajudar profissionais do universo jurídico a compreender a imprevisibilidade das relações sociais e do ser humano. Por esse motivo, especialmente diante da era digital, onde temos fortes traços de descentralização e desmaterialização, dividir e separar o conhecimento — sem buscar a relação comum entre eles — nos afasta cada vez mais da própria natureza da mente humana.

Não podemos, portanto, deixar de encarar a complexidade, pois são justamente as situações complexas que promoverão oportunidades de colaboração, de contribuição e de integração, principalmente com as demais ciências, para melhor compreensão do ser humano.

Somente a partir desse “diálogo” é que será possível para o profissional do Direito buscar alternativas e encontrar caminhos para a solução de conflitos também complexos e, ainda, lidar com as mudanças de cenário no mercado de trabalho.

E trazer esse pensamento é desafiar o status quo, é não se conformar com algo “porque sempre foi assim”.

 É possível atuar diante da complexidade, vivenciando-a: sendo criativo diante das situações, com base em nosso repertório técnico e pessoal, partindo de nossas experiências pessoais e profissionais; criando conexões com pessoas, com outros saberes, ouvindo opiniões de outras áreas, mesmo que não concordemos com suas ideias; mapeando futuros emergentes e complexos.

A proposta, portanto, é que as reflexões sejam constantes e que a religação dos saberes se transforme em algo a ser perseguido.

Você quer saber mais sobre o Direito a partir da Complexidade? Te convido a participar desta reflexão para construirmos maior adaptabilidade para os novos cenários que estarão diante de nós.

*Silvia Piva é advogada e fundou recentemente o hub de ensino jurídico Nau d’Dês. Pesquisadora da complexidade e suas aplicações, além de Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, é sócia do GHBP Advogados e professora dos cursos de pós-graduação do IBET e da Universidade Presbiteriana Mackenzie.