A reparação dos danos por infidelidade virtual

Eduardo Soares Gomes*

Com o avanço da tecnologia e a popularização da internet, novos desafios legais surgiram, incluindo questões relacionadas à infidelidade virtual. A infidelidade conjugal tradicional sempre foi motivo de preocupação nas relações, mas agora, a infidelidade virtual também se tornou uma realidade. Nesse contexto, a doutrina brasileira tem buscado definir os direitos e responsabilidades das partes envolvidas.  Este artigo explorará o tema, analisando os princípios jurídicos pertinentes e as decisões judiciais relevantes.

Infidelidade Virtual e seus Impactos

A infidelidade virtual vem aumentando consideravelmente. O avanço das tecnologias e a facilidade de se conectar com várias pessoas ao mesmo tempo, tem contribuído para o aumento dessa estatística. Embora não haja contato físico direto, os efeitos da infidelidade virtual podem ser tão devastadores quanto os da traição física. É importante destacar que o ato de infidelidade seja ela real ou virtual durante o casamento por si só não gera o dever de indenizar, porém, quando os desdobramentos desse ato de infidelidade violam os direitos da personalidade do cônjuge traído, como: o direito à privacidade, ao nome ou a imagem, há de se falar em reparação por danos. A título de exemplo, destaca-se o cônjuge infiel que expõe a vida íntima do consorte para outrem, gerando uma violação de privacidade.

Reparação por Danos na Doutrina Brasileira

No Brasil, a reparação por danos causados ​​pela infidelidade virtual tem sido objeto de discussão na doutrina jurídica. Embora não exista uma legislação específica sobre o assunto, a jurisprudência tem se debruçado sobre casos que envolvem a violação do dever de fidelidade nas relações conjugais e, consequentemente, dever de indenizar.

Tartuce destaca a perfeita abordagem de Maria Helena Diniz sobre o tema:

Os problemas do dia-a-dia podem deteriorar o relacionamento conjugal, passando, em certos casos, o espaço virtual a ser uma válvula de escape por possibilitar ao cônjuge insatisfeito a comunicação com outra pessoa, cuja figura idealizada não enfrenta o desgaste da convivência. Tal laço erótico-afetivo, platônico com pessoa sem rosto e identidade, visto que o internauta pode fraudar dados pessoais, por exemplo, usando apelidos e mostrar caracteres diferentes do seu real comportamento, pode ser mais forte do que o relacionamento real, violando a obrigação de respeito e consideração que se deve ter em relação ao consorte.

Ainda sobre o assunto, Tartuce (p. 316) destaca o pensamento do professor Antônio Jeová dos Santos, ao afirmar que a proteção da intimidade da vida privada precisa ser efetiva na internet, sob pena de aplicação dos mecanismos da reparação privada.

Dessa forma compreende-se que o dever de fidelidade é um dos pilares fundamentais do casamento e das relações afetivas, e a violação desse dever pode ser considerada uma conduta ilícita passível de indenização. Nesse sentido, a doutrina brasileira tem se baseado em princípios já preservados, como a responsabilidade civil por atos ilícitos e a obrigação de reparar o dano causado, para responsabilizar os que cometem tais atos.

Responsabilidade Civil e o dever de indenizar

O Art. 186 do Código Civil estabelece que, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

No contexto da infidelidade virtual, o íntimo ou parceiro que se envolve em uma relação extraconjugal virtual pode ser considerado responsável pelos danos emocionais e morais causados ​​ao outro.

Para Flávio Tartuce (p. 316) é possível sim, responsabilizar o cônjuge infiel, principalmente em situações em que há maiores repercussões, com lesão à personalidade do consorte.

Decisões Judiciais Relevantes

Embora ainda não haja um entendimento uniforme sobre a compreensão por danos causados ​​pela infidelidade virtual, algumas decisões judiciais têm reconhecido a possibilidade de indenização nos casos em que houve dano moral e emocional decorrente da infidelidade virtual.

Vejamos uma decisão abordada por Tartuce (p. 320) proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida que condenou um homem a pagar uma indenização a título de danos morais por infidelidade virtual.

A ex-esposa entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal.

Ao sentenciar o magistrado destaca que a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, ademais, que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante.

Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegriu sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Mais uma vez ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. Nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida).

Ao comentar a decisão em questão, Tartuce (p. 321) explica que agiu corretamente o magistrado, uma vez que, as declarações do marido no caso descrito geraram, sim, um prejuízo moral, principalmente pelos termos empregados nas mensagens eletrônicas a que teve acesso a esposa, conotando um relacionamento sexual.

Considerações Finais

Embora o tema da reparação por danos por infidelidade virtual seja complexo e ainda careça de uma legislação específica no Brasil, a doutrina tem buscado fundamentar a possibilidade de indenização com base nos princípios gerais do direito civil. A responsabilidade civil, a teoria da culpa e as decisões judiciais relevantes têm servido como guias para determinar a responsabilidade e tomar decisões nos casos de infidelidade virtual.

No entanto, é importante ressaltar que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando as circunstâncias específicas e as provas adquiridas. A jurisprudência ainda está em desenvolvimento nessa área e é possível que novos entendimentos e abordagens surjam à medida que a sociedade continue a lidar com os desafios trazidos pela era digital.

Portanto, a infidelidade virtual, embora relativamente nova, já está sendo considerada um fator relevante nos casos de responsabilidade civil no Brasil, impulsionando a doutrina a debater e construir critérios para determinar os direitos e obrigações das partes envolvidas. 

*Eduardo Soares Gomes é estudante de Direito. Associado ao Instituto de Estudos Avançados e membro dos núcleos de Direito de Família e Processo Civil. Está no Instagram como @eduardosogomes.  

Referência 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família, Vol. 5, 18. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023.