A Reforma Tributária e os possíveis impactos no setor de serviços

Bruno Barroso*

A reforma tributária foi uma ambição de todos os governos desde a redemocratização do país e, após quase 40 anos de impasses, foi aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023. Trata-se da PEC 45/2019, que foi convertida na Emenda Constitucional 123/2023, que teve como premissa basilar a simplificação da tributação sobre o consumo, sem gerar o aumento da carga tributária atual.

No entanto, a premissa tornou-se bastante questionável diante da redação final do texto aprovado. Isso porque, a legislação propôs uma unificação de tributos, sob o modelo de Imposto sobre Valor Adicional (IVA) dual, composto por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a nível federal, em substituição ao PIS/COFINS/IPI, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a nível estadual/municipal, no lugar do ICMS e ISSQN.

A reforma introduziu também o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Manteve o IPI na Zona Franca de Manaus e prevê ainda a possibilidade de os estados criarem contribuição sobre produtos primários e semielaborados. Na prática, a prometida simplificação resumiu-se à substituição de cinco tributos por outros cinco.

Além de não ser mais simples, o novo sistema tende a ser mais oneroso para alguns setores da economia. Ainda não se sabe qual será a alíquota base do IVA dual; aguarda-se a publicação da Lei Complementar que disporá sobre o tema. Entretanto, o próprio Ministério da Fazenda estima que possa ficar em torno de 27,5%, o que já seria a maior do mundo[1]. Há quem diga [2] que se trata de uma alíquota bem conservadora, visto que desconsidera os benefícios fiscais dados pelo Senado na reta final da votação, o que pode encarecer a conta de quem ficou de fora das benesses.

Diante desse contexto, percebe-se que os prestadores de serviços talvez sejam o setor que mais restou impactado com as mudanças, basta olhar os números.

Uma boa parte das empresas desse seguimento utilizam-se da sistemática do Lucro Presumido, cujas alíquotas de PIS e COFINS combinadas correspondem a 3,65%. Essas prestadoras também se sujeitam ao ISS, cuja alíquota máxima atual é de 5%. Neste cenário, a carga tributária sobre a prestação de serviços sairia dos atuais 8,65% para 27,5%, ou seja, um aumento preliminar de 217,92%.

O impacto é um pouco menor para as empresas que escolhem o regime do Lucro Real, naturalmente. Contudo, ainda se configura como um cenário desafiador, uma vez que elas enfrentam atualmente uma tributação na ordem de 14,25% (PIS/COFINS/ISS) sobre os serviços prestados. Com as alterações propostas, a expectativa é de um aumento equivalente a 89,5%.

É verdade que o texto da PEC 45/19 parece oferecer uma certa mitigação ao problema, ao atribuir à lei complementar a definição dos serviços que podem receber uma redução de 30% nas alíquotas quando prestados por profissionais liberais, cuja atuação seja regulada por conselhos profissionais, como médicos e advogados. Entretanto, mesmo nesses casos, ainda persistirá um aumento de pelo menos 35%, para os maiores contribuintes.

E o Simples Nacional? O regime que responde por 93,7% dos CNPJs ativos e representa 55% da empregabilidade líquida no Brasil foi mantido[3], mas isso não quer dizer que o setor ficará alheio às mudanças. Muito pelo contrário.

No que diz resoeiro a apropriação de créditos, a título de exemplo, as empresas do Lucro Real, inseridas no regime não cumulativo do Pis/Cofins, têm a faculdade de descontarem créditos calculados com base no valor integral das contribuições, que totalizam 9.25%. Esse benefício estendia-se mesmo quando realizavam transações com pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional, as quais desfrutam de alíquotas reduzidas. Essa possibilidade conferia uma vantagem competitiva ao Simples, especialmente para os empresários posicionados no meio da cadeia produtiva, pois podiam ofertar esse creditamento cheio nas vendas para seus clientes.

Ocorre que a reforma muda essa metodologia de cálculo. A partir de agora, ao o adquirente de bens e serviços oriundos de contribuintes optantes pelo Simples Nacional, só será permitida a apropriação de créditos dos novos tributos (IBS e CBS), em montante equivalente ao cobrado por meio do regime único, ou seja, com as alíquotas reduzidas[4].

Logicamente, essa mudança de paradigma deve ter um reflexo significativo para empresas dos demais regimes, ao comprar de empresas optantes pelo Simples Nacional, pois os créditos serão bem inferiores. A saída dada pela Reforma, seria a adoção de um regime híbrido para que esses contribuintes mantenham a competitividade, em que teriam a faculdade de recolher separadamente os tributos do IBS e da CBS, por fora da guia simplificada.

Nesse caso, poderão usufruir dos benefícios relacionados à tomada e transferência de créditos destes tributos integralmente, no método imposto contra imposto, sobre o que efetivamente foi recolhido nas operações anteriores, como as demais empresas.

Não há como deixar de observar a complexidade trazida para um regime que foi criado com base na ideia simplificação, de facilitar a vida a vida de quem está começando um empreendimento e diminuindo o custo Brasil. Se o contribuinte se vê obrigado a adotar o regime híbrido, por exemplo, no mínimo, o custo de conformidade irá aumentar, contrariando o artigo 179 da Constituição que não foi alvo de modificação pela Emenda 123/2023.

Percebe-se que estamos diante de um cenário permeado por expectativas e cautela, enquanto o setor de serviços aguarda as definições que surgirão com as Leis Complementares e sua implementação prática. A busca por um sistema tributário mais simples e equitativo é um anseio compartilhado, porém, é imperativo conduzir a transição de forma a salvaguardar a competitividade e a viabilidade dos prestadores de serviço. Esses fatores desempenham um papel fundamental na preservação da saúde econômica do país.

*Bruno Barroso é  tributarista do escritório Monteiro e Monteiro Advogados Associados

Referências

[1]https://www.infomoney.com.br/politica/novas-excecoes-geram-duvidas-sobre-o-valor-da-aliquota-do-iva/

[2] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/tres-nos-amarram-reforma-tributaria-e-aliquota-pode-chegar-a-335-diz-economista/?ref=link-interno-materia

[3][1] https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-1o-quadrimestre-2023.pdf

[4] Artigo 146, §2º, II, CF/88.