A reforma tributária e as políticas públicas direcionadas às mulheres, especialmente às goianas

Karla de Oliveira Silva, Carlos Daniel Machado de Araújo Soares e Giovanna de Brito Sant’Anna*

O inciso VI, §1º, do artigo 9º da Emenda Constitucional n. 132/2023 , que altera o Sistema Tributário Nacional, demonstra uma preocupação com pauta da dignidade menstrual e com a alta tributação de itens de higiene básico feminino, representando um avanço significativo na constitucionalização de um direito que deve ser concretizado por meio de políticas públicas eficazes, via tributação mais equitativa para as mulheres brasileiras.

A inclusão da dignidade menstrual na Reforma Tributária se deu após a movimentação da pauta feminina e estudo elaborado por tributaristas do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da Escola de Direito São Paulo e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. O movimento revela a luta existente contra a alta tributação de itens de higiene básica feminina em comparação com outros itens ou supérfluos, em razão da chamada pink tax .

A população feminina corresponde a 51,5% da população residente no Brasil, conforme Censo Demográfico de 2022, e o período menstrual – momento em que impõe uma maior demanda com itens de higiene -, por vezes, é estigmatizado e relegado a segundo plano. Como fator agravante, inclui-se a alta carga tributária sobre os produtos, a ausência de políticas públicas adequadas e, como consequência, a falta de acesso a produtos de higiene básica.

Por exemplo, ceras e pomadas hidrantes para amamentação têm uma carga tributária total de até 37%, enquanto ceras para polir veículos são tributadas em 33,75%. Absorventes são tributados em 27,25%, a mesma alíquota de esponjas de maquiagem, consideradas supérfluas, conforme a dissertação de Menezes (2023).

Em compensação, a EC 132/23 prevê a redução de 60% das alíquotas dos tributos sobre diversos bens e serviços, incluindo produtos de cuidados básico à saúde menstrual. Nesse passo, surgem dúvidas sobre o futuro das políticas públicas que implementarão esse dispositivo, considerando as estatísticas de desigualdade de gênero.

Em 2022, o Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB) de Goiás lançou o Perfil da Mulher Goiana 2022 , que delineia o perfil socioeconômico, de vulnerabilidade e saúde das mulheres em Goiás. Segundo o IMB, a população feminina vulnerável em Goiás é majoritariamente negra (75% pardas ou pretas) e predominantemente jovem (60% até 34 anos).

As mulheres chefes de família são majoritariamente negras, entre 25 e 34 anos, com baixo acesso à educação formal, resultando em pouca participação no mercado formal de trabalho. E, em 2021, as mulheres representavam 52,23% da população de Goiás.

A análise do perfil da mulher goiana, sob a perspectiva da tributação desigual de gênero, revela um abismo entre suas necessidades básicas e a alta carga tributária imposta sobre mercadorias essenciais, como itens de higiene feminina. A carga tributária é desigual, pois produtos essenciais são mais tributados que os supérfluos.

Além disso, as diferenças salariais entre homens e mulheres agravam essa disparidade. Estatísticas mostram que homens brancos ganham mais que mulheres brancas, mesmo quando estas têm maior escolaridade e, na base dessa disparidade, estão as mulheres negras.

A análise da reforma tributária sob o viés de políticas públicas é crucial, pois as mulheres goianas enfrentam uma carga tributária que destoa dos Princípios Constitucionais da Igualdade e da Capacidade Contributiva, ao não considerar adequadamente a contribuição dos vulneráveis.

Nessa esteira, as políticas públicas, que constitui o campo de estudo do processo político de escolha de necessidades sociais a serem supridas pelo Estado, e os meios que este utilizará para tal, é a fonte de inovação para resolver os problemas da desigualdade tributária e o público afetado, bem como necessitará da cobrança social para que o Estado faça valer meios para validá-la.

Fica nítido, desse modo, a essencialidade da elaboração de políticas públicas que atendam às necessidades das mulheres brasileiras, em especial, goiana. A criação dessas políticas em níveis nacional e regional consolidará a determinação da Reforma Tributária de reduzir as alíquotas sobre itens básicos de higiene feminina.

*Karla de Oliveira Silva é advogada administrativista e coordenadora da área das execuções contra a Fazenda Pública no Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados (GMPR). Pós-graduanda e Aluna Especial do Mestrado em Políticas Públicas na Universidade Federal de Goiás.

*Carlos Daniel Machado de Araújo Soares é estagiário em Direito Público no Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados. Graduando em Direito na Universidade Federal de Goiás.

*Giovanna de Brito Sant’Anna é advogada tributarista e coordenadora da área tributária do Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados (GMPR). Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

 

Referências
¹ BRASIL. Congresso Nacional. Emenda à Constituição nº 132, de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm Acesso em: 02 out. 2024.
² A “pink tax” é um termo usado para descrever o fenômeno em que produtos e serviços destinados especificamente a mulheres são frequentemente mais caros do que versões similares ou idênticas destinadas a homens. Esse conceito não se refere a um imposto real, mas sim a uma prática de precificação discriminatória.
3 Menezes, Luiza Machado de Oliveira. Tributação e desigualdades de gênero e raça: vieses de gênero na tributação sobre produtos ligados ao trabalho de cuidado e à fisiologia feminina. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 2023. https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/53343.
4 Claudino, J., Cruvinel, E. C., Marinho, F. V. M., Satel, C. I. R., & de Sousa, M. E. (2022). Perfil da mulher goiana. Goiânia: Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.
5 SILVA, Frederico Oliveira. Efetividade de políticas públicas em uma perspectiva comportamental: superendividamento e crédito rotativo. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito e Políticas Públicas) – Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas, Faculdade de Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019. https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/949/o/Trabalho_final_Frederico_Oliveira.pdf

* Karla de Oliveira Silva é advogada administrativista e coordenadora da área das execuções contra a Fazenda Pública no Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados (GMPR). Pós-graduanda e Aluna Especial do Mestrado em Políticas Públicas na Universidade Federal de Goiás.
** Carlos Daniel Machado de Araújo Soares é estagiário em Direito Público no Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados. Graduando em Direito na Universidade Federal de Goiás.
*** Giovanna de Brito Sant’Anna é advogada tributarista e coordenadora da área tributária do Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados Associados (GMPR). Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).