A recuperação judicial de produtores rurais e a declaração de essencialidade dos bens produtivos

Letícia Marina da Silva Moura*

Segundo dados divulgados pela Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais que atuam como pessoas jurídicas no Brasil apresentaram um crescimento expressivo no primeiro trimestre deste ano. Foram registrados 76 pedidos, mais que o dobro do número observado no mesmo período de 2023. Esse aumento reflete a crescente procura por esse mecanismo de reestruturação no setor agrícola.

O aumento pode ser atribuído a diversos fatores, com destaque para as oscilações nos preços das commodities agrícolas, que impactam diretamente a rentabilidade dos produtores. A volatilidade no mercado global, aliada à instabilidade econômica interna, agrava a crise de liquidez enfrentada por muitos agricultores.

Em adendo, desafios climáticos como secas prolongadas, queimadas, enchentes e outros eventos extremos têm impactado diretamente a produção agrícola no Brasil, comprometendo safras inteiras e, consequentemente, a capacidade dos produtores de honrar suas obrigações financeiras. Esses fatores naturais, somados a crises econômicas, intensificam o cenário de incerteza e agravam as dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor.

Para além disso, a realidade do produtor rural no Brasil traz desafios únicos, especialmente no que se refere à captação de recursos financeiros. Em muitos casos, os produtores recorrem à alienação fiduciária, seja para superar crises financeiras ou para estruturar seu crescimento. Nesse processo, os produtores rurais utilizam bens móveis e imóveis, como maquinários agrícolas e propriedades, ou até mesmo suas safras futuras, como garantia para obtenção de crédito.

Nesse contexto, a recuperação judicial pode ser uma ferramenta que permite a empresas em dificuldades financeiras, incluindo produtores rurais, reorganizarem suas dívidas e atividades para evitar a bancarrota.

O processo, em si, permite que o produtor rural obtenha um “fôlego” para negociar com seus credores e estruturar o seu plano de pagamento das dívidas existentes até a data do pedido. Por óbvio, para que essa reorganização seja eficaz, a Lei nº 11.101/2005 estabelece a suspensão das execuções e cobranças por um período, o chamado stay period.

Durante esse período, os produtores podem continuar operando e mantendo suas atividades de plantio sem o risco de perderem seus bens, desde que esses sejam considerados essenciais para a sua produção. Mas, afinal, o que poderia ser enquadrado como um bem essencial?

Os bens de capital essenciais são definidos como aqueles que não se esgotam com o uso em um ciclo produtivo e que são indispensáveis para manter a produção em andamento. Para um produtor rural, isso pode incluir não apenas maquinários agrícolas, mas também estruturas de armazenamento e transporte, que são fundamentais para a safra e a comercialização dos produtos.

A proteção desses bens é essencial, pois sem eles, o produtor perde a capacidade de produzir e de gerar receita para cumprir suas obrigações. No entanto, essa proteção não é automática; cabe ao juiz da recuperação judicial determinar, caso a caso, quais bens devem ser protegidos. O juiz analisará se o bem é essencial para a continuidade das atividades produtivas da empresa ou do produtor rural.

Desse modo, somando-se a todos os demais mencionados, destaca-se um desafio relevante que é a necessidade de o produtor rural comprovar a essencialidade dos bens que deseja proteger no processo de recuperação. Essa comprovação envolve demonstrar que, sem esses bens, a operação não pode continuar, o que exige um entendimento detalhado das operações do produtor e de como cada ativo contribui para sua sobrevivência econômica.

Isso posto, um olhar detalhado e individualizado sobre as particularidades de cada caso é imprescindível, assegurando que as medidas adotadas na recuperação judicial atendam não apenas às necessidades imediatas, mas também ao fortalecimento e à viabilidade futura do produtor rural no Brasil.

A crescente demanda por recuperação judicial entre produtores rurais no Brasil, conforme revelado pelos dados da Serasa Experian, evidencia a necessidade urgente de reestruturação financeira diante da volatilidade econômica e dos desafios climáticos. Para que esse processo seja eficaz, é essencial que cada produtor comprove a essencialidade dos bens que deseja proteger, como maquinários e estruturas de armazenamento, pois sua continuidade operacional depende deles.

A análise criteriosa do juiz é crucial para determinar quais ativos são indispensáveis à produção, assegurando que a recuperação judicial não apenas evite a falência, mas também promova a sustentabilidade das atividades rurais. Portanto, um enfoque detalhado nas especificidades de cada caso é fundamental para garantir que as estratégias de recuperação sejam eficazes e, sobretudo, sustentáveis no longo prazo.

*Letícia Marina da Silva Moura é advogada no escritório João Domingos Advogados.