A quebra da “trava bancária” na recuperação judicial

Advogado Renaldo Limiro - 2 - braços cruzadosQuando da confecção da Lei 11.101/05 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas -, que entrou em vigor no dia 09 de junho de 2005, os grandes financiadores de todos os setores da economia – os Bancos -, por meio de seus lobbys junto ao Poder Legislativo, e sob os argumentos de que para  se  fomentar a economia, os seus créditos concedidos para tais fins não se submeteriam aos efeitos da recuperação judicial, e ainda, com a garantia de que os respectivos spreads seriam baixíssimos.

Fato é que, como negociado foi legislado. Ou seja, somente os créditos bancários foram objetos de normas da Lei 11.101/05 que os excluem, nem todos,  dos efeitos da recuperação judicial, e, por óbvio, da parte das instituições financeiras, como não poderia ser diferente, ficou para toda a economia brasileira o compromisso verbal, ou como se conhece pelo velho jargão, “no fio do bigode”, e que o Legislativo literalmente “acreditou” fosse verdade, salvo, ressalte-se, raríssimas exceções.

O legislativo brasileiro, em cumprimento ao negociado, nada obstante o artigo 49 da Lei 11.101/05 prescreva que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, exclui de tais efeitos, nos parágrafos 3o e 4o deste mesmo artigo,  diversas espécies de créditos, a maioria deles concedidos, também, por instituições financeiras, como aqueles de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou decorrente de contrato de venda com reserva de domínio, assim como os contratos decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.

Assim, todos os créditos concedidos pelas instituições financeiras e que se enquadrem numa das diversas espécies acima, estão, em princípio, blindados dos efeitos da recuperação judicial, ou seja, são extraconcursais, não se submetem a qualquer plano de recuperação judicial, não se sujeitam a qualquer negociação, estando o recuperando, por consequência, legalmente obrigado a cumprir o pactuado, somente não podendo ocorrer contra o mesmo a venda ou a retirada do seu estabelecimento, nos seis meses seguintes ao deferimento do processamento, dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial.

Todavia, os créditos concedidos pelos bancos e que os deixam na condição de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, especialmente os denominados recebíveis, gozam, tanto pela Lei número 11.101/05 quanto pela jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, de uma proteção em favor dos seus credores que sempre sufocam os recuperandos. São as denominadas “travas bancárias”, ou seja, por este sistema  a instituição financeira credora, em caso de inadimplência do devedor, pode receber seu crédito a partir dos depósitos dos recebíveis do financiado, os quais são depositados em conta corrente especial controlada pela credora e somente são liberados quando o financiado estiver em dia com suas obrigações. Isto é muito comum na cessão de duplicatas ou mesmo de cartões de crédito/débito.

A posição do STJ quanto à não sujeição dos créditos acima mencionados aos efeitos da recuperação judicial ficou expressa na sua Jurisprudência em Tese – Edição nº 37: Recuperação Judicial II, cujo enunciado de nº 2 recebeu a seguinte redação: “os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária – inclusive os resultantes de cessão fiduciária – não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial”. (grifamos).

Por outro lado, dentre os 12 princípios que precederam a confecção da Lei 11.101/05, especialmente o primeiro deles – o da manutenção da empresa ou continuidade da atividade -, tem tido ultimamente um grande peso em decisões de Tribunais diversos por este Brasil afora, especialmente quando os tais recebíveis ou “travas bancárias” literalmente são fatores impeditivos de continuidade da atividade. Isso ocorre quando o fluxo de caixa do devedor/recuperando tem por base os seus recebimentos via duplicatas futuras ou mesmo cartões de crédito/débito, e que através de compromissos de alienação fiduciária ou cessão fiduciária com as instituições financeiras, permitem a estas a “trava” em seu favor para liquidar débitos outros do devedor, deixando este, por consequência, sem qualquer capital para tocar o seu negócio.

Nessa circunstância, provada a incapacidade financeira do devedor/recuperando, ou seja, que os seus recebíveis estão todos comprometidos com instituições financeiras em decorrência de outros créditos contraídos, juízes singulares diversos tem concedido de forma liminar e simultânea ao deferimento do processamento da recuperação judicial, a liberação de parte destes recebíveis, as quais são, posteriormente, confirmadas pelos respectivos Tribunais. Como exemplos, dentre outros, no Rio de Janeiro há decisão liberando 70% (setenta por cento ) dos valores retidos; em Goiás, decisões liberando 40% , e outra 50%. É, por fim, a quebra da malsinada “trava bancária”, prevalecendo sobre a mesma o impostergável princípio da continuidade da atividade.

*Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei… AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. www.recuperacaojudiciallimiro.com.br