Sunária Brito*
Sim, é possível ser feita a alteração do regime de bens na constância do casamento. Mas somente mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges e, se ressalvados os direitos de terceiros.
Umas das coisas mais importantes no casamento é a escolha do regime de bens, pois, regulamenta as relações patrimoniais entre os cônjuges e, em caso de divórcio, direciona a partilha de bens do casal.
Visando isso, já que ao longo da vida conjugal pode surgir a necessidade de alteração do regime escolhido, que é o que chamamos de mutabilidade do regime de bens, que a Lei Civil de 2002 adotou tal previsão em seu artigo 1.639, § 2º.
No Código Civil de 1916, não havia a possibilidade de alteração do regime de bens após a sua escolha, pois, era irrevogável.
É claro que o direito deve buscar a adaptação às inevitáveis mudanças sociais. E diversas são as circunstâncias que podem surgir no decorrer da união que possam exigir essa necessidade de alteração no regime de bens. Um dos motivos relevantes, por exemplo, a alteração do regime legal de comunhão parcial para o de separação de bens, na hipótese de os consortes passarem a ter vidas econômicas e profissionais próprias, mostrando-se conveniente a existência de patrimônios distintos, não só para garantir obrigações necessárias à vida profissional, como para incorporação em capital social da empresa. Há também como exemplo se um dos cônjuges começa a operar na bolsa de valores se valendo de capital de risco, constituindo uma possível ameaça ao patrimônio comum do casal.
Assim, a mudança regime de bens que foi adotado inicialmente pode acontecer, condicionando tal pedido à segurança e proteção de duas situações, que é evitar que a mudança resulte em prejuízo para um dos cônjuges, e, que terceiros com os quais o casal, ou um dos cônjuges, tenham mantido relação jurídica, possam ser lesados.
Vale ressaltar que o STJ tem o firme entendimento de que é possível a modificação do regime de bens mesmo que o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916.
Em um de seus julgados, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível, na vigência do Código Civil de 2002, a modificação do regime patrimonial do casamento mesmo que a união tenha se submetido à separação obrigatória de bens imposta pelo código de 1916.
Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso especial interposto por um casal que buscou modificar o atual regime do casamento para o de comunhão universal de bens.
O casal recorreu ao STJ após o juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo negarem o pedido, sob o fundamento de que não haveria previsão legal para a alteração do regime. (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).
No caso, a relatora ministra Nancy Andrighi, afirmou que o Código Civil de 2002 trouxe importante alteração nesse tema ao permitir a modificação posterior do regime de bens do casamento, e que embora o casamento tenha sido celebrado na vigência do CC/1916 – que impunha a imutabilidade do regime de bens e a adoção do regime da separação obrigatória –, deve ser aplicado o novo Código Civil no que diz respeito à possibilidade de modificação posterior do regime adotado.
Portanto, é possível, mas não é tão simples, há uma série de requisitos a serem preenchidos, dentre eles, ser consensual, é claro, e devidamente motivado.
E outra questão relevante é que há uma grande controvérsia ainda nesse tema, tendo em vista a tremenda falha no Código Civil que não prevê os efeitos da mudança do regime de casamento quanto a retroatividade, se a fixação do termo inicial dos efeitos da alteração devem ser a partir da data do casamento, retroativamente (eficácia ex tunc), ou apenas a partir do trânsito em julgado da decisão judicial a respeito (eficácia ex nunc).
Essa questão ainda gera polêmicas, e, há julgados nos dois sentidos. O STJ já decidiu que os efeitos sejam ‘ex nunc’ em muitos casos, mas, recentemente, decidiu a 4ª turma por meio do RESP 1.671.422/SP, que a alteração do regime de bens do casamento produz efeitos retroativos já que entendeu no caso, que a alteração não prejudicaria terceiros, tendo, portanto, eficácia “ex tunc”.
No referido julgado entendeu o relator, Ministro Raul Araújo, que mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal.
Ou seja, cada processo tem suas particularidades, o que deve ser analisado pelo julgador.
Um fato é certo, é uma inovação que tem sido bastante utilizada nos últimos anos por casais que buscam segurança para parte dos seus patrimônios em relação à negócios de grandes riscos operado por um dos cônjuges.
*Sunária Brito é advogada no escritório Morais, Jucá e Souza Advogados Associados.