A necessidade de paridade de gênero em todas as instâncias de poder

*Amanda Souto e Thawane Larissa

Existe uma parcela da sociedade que teme o termo equidade, principalmente se falarmos em equidade de gênero. Este temor é tamanho que, ao menor ruído da possibilidade de mudanças que visem equiparar a dívida histórica entre homens e mulheres, observamos a disseminação de informações descontextualizadas e análises rasas de problemas sociais severos. Mulheres vêm travando por gerações uma luta constante por direitos básicos, e é sempre bom relembrar que basta uma crise política para termos esses direitos questionados.

É necessário fomentarmos dois pilares na construção de uma sociedade igualitária: o empoderamento de mulheres e a reeducação dos homens. O primeiro diz respeito à possibilidade de a mulher assumir o protagonismo de sua própria vida e carreira, com o requisito fundamental de gozar de salário correspondente a sua função e cargo que seja condizente com sua qualificação.

O segundo pilar foca em ensinar os homens a entenderem e reconhecerem os direitos das mulheres. O objetivo é tirar a figura masculina desse lugar de superioridade e poder e fazê-los entender que o feminino não é o segundo sexo, não é frágil e certamente não precisa ser tutelado por seus critérios obsoletos.

Quando observamos a distribuição das mulheres em cargos de poder pelos níveis de carreira, verificamos a existência de um fenômeno conhecido como “teto de vidro”. Os percentuais são mais elevados nas posições de entrada das carreiras e diminuem progressivamente quando se consideram os níveis mais elevados. Esse fenômeno persiste mesmo nas carreiras do setor público, em que a entrada se dá via concurso, baseado em critérios impessoais e universais. Curiosamente, a progressão na carreira se dá usualmente por nomeação, o que pode implicar maior discricionariedade e adoção de critérios generificados, que terminam por penalizar mulheres.

Segundo dados de 2019 da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), o IBGE estima que a população feminina no Brasil corresponde a 51,8%, apesar disso os cargos de poder estão longe de refletir essa realidade.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, no diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário publicado no mesmo ano, o percentual de magistradas em atividade em 2018 era de somente 38,8%. Já quando o recorte é feito a partir dos cargos o número cai consideravelmente, sendo que o número de desembargadoras em atividade corresponde somente a 25,7%. Nos tribunais superiores, o percentual cai ainda mais sendo que somente 19,6% dos cargos são ocupados por magistradas.

A OAB em seu pioneirismo histórico buscou reparar essa discrepância que perpetua injustiças sociais por meio do projeto paridade que determinou que 50% de seus cargos devem ser ocupados por mulheres. Mas o debate não deve parar por aí, a paridade é necessária em todas as instâncias de poder e deve ser buscada por todos os entes que compõe o sistema de Justiça.

A paridade faz parte da busca por uma sociedade que preza pela sustentabilidade em toda a sua amplitude, não é por acaso que o CNJ, por meio da portaria 133/2018, instituiu o Comitê Interinstitucional destinado a proceder estudos e apresentar proposta de integração das metas do Poder Judiciário com as metas e indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Agenda 2030.

A busca pelo alcance das metas desses objetivos já faz parte da realidade dos tribunais superiores, no STF, por exemplo, processos que tratam de temas sociais vêm com o selo do objetivo correspondente.

O ODS 5 trata de igualdade de gênero e tem como meta 5.5 “garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”

É assustador que exista um pensamento por parte da sociedade de que a paridade seria um privilégio concedido ao gênero feminino. Alegar que a paridade é um privilégio enquanto o número de mulheres nos cargos de poder é muito inferior ao de homens mesmo sendo maioria, é o mesmo que falar que mulheres não ocupam esses cargos por não terem competência.

É importante levar em consideração que maioria numérica não corresponde a maioria no poder. Muitas das chamadas minorias correspondem à maioria da sociedade, porém sua representatividade é minimizada na política, o que faz com que sejam maiorias minorizadas.

Ironicamente o grupo que detém a maior parte do poder, o homem branco cis-hétero, é a verdadeira minoria, seria isso reflexo da extrema competência deste grupo ou dos privilégios históricos que ele carrega?

Privilégios como o afastamento do trabalho doméstico enquanto as mulheres ficam com a dupla jornada, privilégios como as limitações sociais morais impostas às mulheres desde tenra idade quando meninas são ensinadas a subserviência, privilégios como a heroicização do grupo dominante e apagamento do outro, do diferente, privilégios como controle do próprio corpo e poder para regular o corpo alheio e tantos outros que poderiam aqui ser descritos.

A paridade não é uma questão de privilégio para beneficiar o gênero feminino, mas garantir que o processo de tomada de decisão da sociedade de fato reflita os anseios de toda a população.

*Amanda Souto e Thawane Larissa são advogadas