A desjudicialização nas relações de consumo

Marcelo Barros Borelli *

Vivemos uma tendência de desjudicialização nas relações de consumo. Hodiernamente, muito embora alguns consumidores ainda busquem o Judiciário para resolverem controvérsias, novas ferramentas e plataformas jurídicas estão em constante desenvolvimento para permitir que tais controvérsias sejam dirimidas sem se transformarem em litígios.

Uma destas plataformas é o Consumidor.gov.br. Criada pela SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão pertencente ao Ministério da Justiça, a plataforma permite o ingresso de reclamações de modo online, sem que os consumidores sequer precisem sair de suas casas. Ainda melhor: não há taxas ou emolumentos que precisam ser recolhidos para reclamar.

Embora algumas empresas, num primeiro momento, tenham apresentado certa resistência em se cadastrar na plataforma, outras enxergaram uma excelente oportunidade para atender seus consumidores na esfera extrajudicial, evitando assim a propositura de ações e as decisões para cumprimento com cominação de astreintes e condenações por danos morais.

Ainda, as empresas que buscam diminuir o seu portfólio de casos no Judiciário, pagar menos honorários advocatícios com outside counsels e implementar soluções de redução de custos e de provisões com o seu passivo judicial podem encontrar na ferramenta uma importante aliada.

Por óbvio, tais empresas devem estar preparadas para solucionar as questões, caso desejem ser bem vistas no ranking da plataforma. O Consumidor.gov.br possui indicadores como índice de solução das controvérsias, nota de satisfação com o atendimento, número de reclamações respondidas e até mesmo o prazo médio das respostas oferecidas.

A plataforma também gera infográficos com quebra de segmentos do mercado, como bancos e financeiras, operadoras de telecomunicação, comércio eletrônico, transporte aéreo, etc., com discriminação dos problemas mais reclamados. Por fim, o site www.gov.br elabora boletins e relatórios com estes dados e eles são facilmente encontrados na Internet por qualquer usuário.

Logo, caso haja empenho das empresas em construir bons índices, todos estes dados podem ser utilizados para fortalecer a imagem da marca e, inclusive, podem ser deduzidos judicialmente para refutar alegações de recalcitrância no cumprimento de obrigações.

O Consumidor.gov.br também permite uma eventual recusa da reclamação proposta,
conforme item 5 dos seus Termos de Uso, que estabelece uma série de proibições. Destarte, eventual usuário do site não poderá registrar reclamação que não envolva relação de consumo (ix) ou em face de empresa que não seja responsável pelo produto ou serviço contratado/ofertado (xv), por exemplo.

Para além da plataforma tratada aqui até o momento, temos também a plataforma do Procon Digital, que em São Paulo, registrou mais de 711 mil atendimentos à distância contra apenas 28 mil atendimentos presenciais, conforme cadastro de reclamações fundamentadas do próprio órgão com fechamento em 2022. 1

As empresas devem estar sempre atentas ao Procon, uma vez que a falta de solução em uma primeira fase, chamada de CIP – Carta de Informações Preliminares, pode resultar na conversão do procedimento em Processo Administrativo e na aplicação de multa.
No Procon SP, a Portaria Normativa Nº 081/2021, de 30 de março de 2021, estabelece:
Art. 34. A dosimetria da penalidade-base da multa será definida através da fórmula prevista no §1º.

§1º – Fórmula: (REC) x (NAT) + (VA) = PENALIDADE-BASE

§2º – No elemento denominado “REC”, será utilizada a receita bruta mensal do fornecedor estimada pelo Procon.

§3º – No elemento denominado “NAT”, serão utilizados os seguintes fatores, de acordo com a natureza e grupo da infração (Anexo I), assim especificado:
a) Natureza 1: 0,0037594 – Grupo I
b) Natureza 2: 0,0075188 – Grupo II
c) Natureza 3: 0,0112782 – Grupo III
d) Natureza 4: 0,0150376 – Grupo IV

§4º – No elemento denominado “VA”, será considerado o valor da vantagem auferida, de acordo com o ganho obtido com a infração administrativa, podendo ser considerado o valor estimado, desde que devidamente fundamentado; quando não for possível determinar ou estimar o valor, ou mesmo inexistir vantagem auferida, será utilizado o fator 0 (zero).

Assim sendo, uma empresa com faturamento bruto de R$ 1.000.000.000,00, por exemplo, pode partir de uma multa de R$ 3.759.400,00 até R$ 15.037.600,00, sem contar a vantagem auferida, que será somada ao final.

Os débitos relativos a multas aplicadas pelo Procon, caso não recolhidos ao erário pelos
devedores, são inscritos como dívida ativa (DAT) e estarão sujeitos à cobrança judicial pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). O próprio Procon SP disponibiliza em seu site a evolução do valor total das multas inscritas em DAT por ano, que cresceram vertiginosamente na última década. 2

Por fim, deve ser reconhecido que as alternativas à judicialização de demandas se deve, em grande parte, ao desenvolvimento da tecnologia. Ainda, deve ser lembrado que não apenas os consumidores se beneficiam com a desjudicialização, mas as próprias empresas, desde que devidamente preparadas e assessoradas por um bom escritório de advocacia. Em última análise, o próprio país de beneficia, com o desafogamento do Judiciário, que há tempos submergiu em um mar infindável de processos.

1 https://www.procon.sp.gov.br/wp-content/uploads/2023/03/Fundacao-Procon-SP-CRF- 2022.pdf
2 https://www.procon.sp.gov.br/multas-divida-ativa/

* Marcelo Barros Borelli é advogado da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).