A desconsideração do certo e o complexo de “Bobo da Corte”

*Marcelo Bareato

É por demais interessante o quanto estamos a margem da lei e da Constituição Federal, esquecendo que o direito brasileiro é conhecido por ser o “direito do fato”.

Direito do fato significa basicamente que estamos obrigados à lei posta, que no nosso caso, é de boa qualidade e soluciona as intempéries da atualidade, embora não descartamos a obrigação de atualização do direito que, exatamente por ser do fato, tem que ser dinâmico.

Nossas considerações preliminares têm a ver com o que foi decidido essa semana no STF, quando o julgamento da Lava-Jato foi anulado por considerar que os delatores não podem apresentar seus memoriais ao final, depois que todas as defesas já se manifestaram, mais precisamente no caso Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco de Brasil.

O devido processo legal, artigo 5.º, LIV da Constituição Federal, existe para que o acusado tenha a exata noção do crime praticado e da forma como será processado o acusado, a fim de assegurar-lhe o contraditório e a ampla defesa.

Por conta dessa noção, a defesa somente começará o seu trabalho no momento em que tiver certeza dos argumentos da acusação e, por conta disso, somente quando terminar a fase de acusação.

De outra forma, se assim o é, dentre as mais variadas afrontas ao sistema jurídico nacional, a tal “Operação Lava-Jato”, vem desconsiderando que o delator é um acusado e não pode ser convertido em assistente de acusação no primeiro momento, isolando-se dos demais acusados.

O que é ainda pior: no final do processo, após as defesas apresentarem seus memoriais, fazer uso da fase em questão. Se colaborou para condenar seus “parceiros”, também deverá apresentar seus argumentos antes que as respectivas defesas se manifestem, para que possam conhecer os exatos argumentos postos contra cada acusado e propiciar que todas as teses sejam debatidas.

Na prática o que vem acontecendo é que o Ministério Público Federal traz o acusado para si, mantém a pessoa que delatou como um verdadeiro assistente da acusação, mas, na hora de apresentar os memorias, visando impedir as manifestações dos demais acusados, somente juntam os memoriais após as defesas se manifestarem, o que causa nulidade absoluta por inversão tumultuária.

Então, para que fique mais específico, ocorre inversão tumultuária quando ocorrer erro ou abuso quanto às formulas do processo. Para esse mister, o artigo 400 do Código de Processo Penal é claro ao determinar que, na instrução processual, primeiro será ouvida a vítima, em seguida as testemunhas arroladas pela acusação, depois as testemunhas arroladas pela defesa, acareações e perícias serão os próximos passos e terminará com o interrogatório dos acusados.

Próximo passo, os memoriais da acusação e, finalmente, os da defesa, possibilitando atacar todo o conjunto probatório proposto pela acusação, como determina o artigo 403, §3.º do Código de Processo Penal.

O que fora julgado até aqui, é a garantia da norma que prevê ainda, em seu artigo 564, inciso IV do mesmo dispositivo, ou seja, o Código de Processo Penal, o qual prevê que a nulidade ocorrerá, inclusive, por “omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato”.

Esse é o panorama que se apresenta. Estamos diante de uma sentença nula por conta da atividade reprovável do MPF, o qual buscou uma condenação a qualquer preço, na medida em que a população brasileira é leiga no tocante ao conteúdo jurídico de suas leis mais fundamentais e, por óbvio, o magistrado sentenciante, que acatando as ilegalidades do Órgão que naquele momento assumia a acusação, corroborou com todos os erros no afã de satisfazer os anseios daqueles que nada conhecem da lei.

Trata-se, pois, do Judiciário gastando o erário de forma desenfreada, manipulando a aplicação da lei para atingir popularidade e o que é pior, gastando o dinheiro do contribuinte, que neste caso se apresenta como “os Bobos da Corte”, manipulados e sem conhecimento do que acontece no mundo jurídico e agora pagando pelo processo fraudulento, pelo recurso da defesa que busca a legitima aplicação da lei e nesse momento recomeçando a pagar novamente pela nulidade da sentença, volta do processo a fase de conhecimento e eventuais recursos possíveis.

Oxalá, aprendamos a valorizar nossa cultura, nossos direitos e nosso dinheiro, compelindo os que abusam de seu poder a pagar a conta daquilo que fizeram de forma ilegal e abusando da boa fé alheia, desconsiderando propositalmente o certo para estabelecer a cultura do errado.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da Abracrim, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO.