A corrupção, o direito, o ativismo judicial e a parábola do jardineiro

*Marcelo Bareato 

Não é de hoje que entendemos a corrupção como um problema brasileiro que atrapalha nosso desenvolvimento e possibilidades de uma vida melhor, como se no restante do mundo tudo corresse às mil maravilhas e, talvez, esse seja o motivo de tantos brasileiros deixarem o país na tentativa de uma vida melhor.

Todavia, temos que colocar os pingos nos is e entender, de uma vez por todas, que o Brasil não é o único país corrupto no mundo, entender como a corrupção se instala, qual o papel da Constituição Federal nesse cenário, onde se encaixa o Direito Penal e Processual Penal, o que é ativismo judicial, como os negacionistas epistemológicos contaminam nossa sociedade, o que acontece quando nos deparamos com a intolerância, para, finalmente, compreender o que isso tem a ver com a política.

Parece um longo caminho, mas nosso objetivo nesse artigo é tentar dar aos encurralados, a luz no fim do túnel, uma saída honrosa através do conhecimento com o qual temos a certeza que atingiremos a liberdade e um país bem melhor.

Comecemos, pois, com a parábola de Rubem Alves, quando, retirando de outra parábola da tradição cristã, nos remete a pensar sobre o que é mais importante, o jardim ou o jardineiro? O texto se desenvolve na perspectiva de um senhor que tinha vários jardins e contratou vários jardineiros para cuidar do seu patrimônio. Ao final, a conclusão é que os jardins são lindos, mas quem vem em primeiro lugar são os jardineiros, pois sem eles, nada permanece.

Dito isso, comecemos nosso trabalho:

Vivemos num país onde, desde muito cedo, recebemos dos nossos pais o ensinamento de que “aqui é cada um por si e Deus para todos”.

Criamos leis como quem atira confetes e granulados em um bolo que será servido no aniversário de uma criança recém-chegada ao mundo, como se isso fosse o necessário e suficiente para estancar os desmandos praticados pelo Estado, empresários e aqueles que lidam com nossa economia todos os dias.

Esquecemos que o mal começa nos Estados, nos Municípios, onde seus administradores tratam de assumir seus cargos, contratar com os pequenos empresários, receber o serviço e não pagar por aquilo que foi feito. Alguns deixam contratos inadimplentes para que o pequeno empresário tente a sorte em receber na próxima administração, outros, ao final de sua gestão, oferecem o que querem e advertem que, caso não queiram receber nas condições oferecidas, podem usar a via dos processos judiciais extremamente longos e, ao final de 10, 15 ou 20 anos se contentar com títulos da dívida pública.

Ocorre que este credor é o pequeno empresário, o que emprega mais e que tem por obrigação pagar impostos altíssimos. O mesmo que, quando fechou o tal contrato, pensou que dava o passo mais importante da sua vida rumo à uma nova fase de médio ou quem sabe, grande empresário, mas que logo entendeu que terá que fechar as portas pois o valor despendido e não repassado lhe custará a vida no ramo que escolhera.

Com essa visão, surgem os atravessadores, funcionários públicos de alto escalão, os quais prometem regalias em troca de porcentagens para contratos, serviços e atuações junto a obras públicas, priorizando pagamentos para que as suas porcentagens não sejam esquecidas.

Esse é o momento em que nos deparamos com a face mais suja da corrupção. É nesse momento que os pequenos, médios e grandes empresários passam a não respeitar as leis e oferecer ou pagar propinas para não serem fiscalizados e receberem, cada vez mais, por serviços prestados ou, às vezes, nem prestados, mas idealizados nos diversos contratos que se celebram país à fora.

Entender esse caminho tortuoso que é apenas um dos tantos que compõem a corrupção brasileira, é entender que leis são feitas para serem cumpridas e obriguem a todos, não só àqueles que não fazem parte do “esquema” e que, mesmo assim, serão fiscalizados de forma aleatória, quase sempre recaindo tal fiscalização sobre os empresários que se negaram a oferecer o tal suborno.

Portanto, meu Caro Leitor, se queremos atacar a corrupção, não precisamos de novas leis, mas que cumpram as leis existentes e que elas sejam para todos. Deixemos de ser enganados com a máxima de que corrupção se combate com novas leis e penas mais severas, argumentos usados, vez em sempre, em momentos como eleições e para tirar o foco de algo mais grave que esteja acontecendo.

O papel da Constituição Federal, nesse cenário anacrônico, é fornecer o parâmetro necessário pelos quais devemos nos pautar e, nisso, temos que render homenagens ao texto constitucional. O trabalho foi primoroso e só discordam dele aqueles que nunca se debruçaram para ler e entender o conteúdo que nele se encerra.

Abaixo da Constituição Federal, mas não menos importante, estão o Direito Penal e o Processo Penal, áreas do direito público com as quais nós, brasileiros, entendemos que vamos resolver a criminalidade quando aumentamos as penas ou permitimos que “espertalhões” movidos pela política partidária de baixo conteúdo, empurrem no nosso direito, conteúdo advindo de outros países, cujo eixo constitucional e cultural, em nada se assemelha com o nosso.

Nesse momento, esquecemos que o Direito Penal brasileiro é baseado em fatos (acontecimentos), que quando comparados com o texto da lei, se houver reciprocidade, transformam-se em condutas (adequação de qualquer acontecimento a previsão expressa da lei) e que essas condutas obrigam aos aplicadores da lei, os juízes, ao estrito cumprimento e obediência, tal qual quando passaram em seus concursos e foram compelidos a receber a Constituição Federal como única razão de seus cargos, através do que conhecemos como jurisdição (poder dever de dizer o direito, o direito posto nas leis vigentes).

A jurisdição a qual nos referimos e que atinge por igual a toda a magistratura, impede que qualquer julgador (juiz, desembargador ou ministro), julgue fora do conteúdo legal ou faça uso da moral, bons costumes ou busque ser popular para atingir a fama e imortalizar seu trabalho.

Talvez, sem saber o leigo, é essa ideia de popularidade que vem contaminando nossos processos e sentenças através de juízes, desembargadores e ministros que entendem que a fama é o caminho e que como a população não conhece as leis, não haverá problema algum se o julgamento seguir a opinião da mídia e ele cair nas graças do que o povo (sem cultura jurídica) espera.

O ativismo judicial a que nos referimos no parágrafo anterior, para que fique mais claro, propicia ao “juiz ativista”, ignorar a Constituição para obrigar, em suas decisões, o cumprimento, nas sentenças, do seu ponto de vista.

Não é por menos que estimamos cerca de 131 mil processos, na atualidade, tramitando junto ao Supremo Tribunal Federal e, todos eles, oriundos de Comarcas, Tribunais ou até mesmo do Superior Tribunal, que entendem não ser obrigatória a obediência a jurisprudência da Corte Suprema e, portanto, perfeitamente possível que cada um dos atores mencionados aqui, façam a sua própria jurisprudência, apliquem seu próprio ponto de vista, atribuam a sua moral sobre a necessidade daquele que bateu a porta do judiciário e que recebeu uma triste e inevitável resposta, que outra coisa não é, do que expressão da insegurança jurídica que vivemos na atualidade.

Esses juízes e promotores que proliferam aos quatro cantos, se aproveitam de um país desgovernado pela cegueira cultural jurídica e são a mais pura expressão do que chamamos de Negacionistas Epistemológicos (termo muito usado por Lênio Streck). Esse negacionismo que escolhe negar a realidade para a qual foram empossados, ou seja, a estrita obediência ao texto constitucional e usa o seu “ponto de vista” como forma de escapar da realidade rejeitando conceitos básicos e científicos para apresentar a sociedade suas ideias radicais de que todos os direitos e garantias para nada servem, são os mesmos que representantes ministeriais como Delagnol (procurador federal na famigerada operação Lava Jato), chamam de filigranas (a busca por debater pontos irrelevantes), quando estão atuando em processos, mas que, quando são chamados a prestar contas dos seus atos perante os tribunais, buscam desesperadamente que a Constituição, os direitos e garantias fundamentais sejam respeitados como princípios retores e alegando que o cargo que ocupam, obriga a tal mister.

Nesse ponto, é de suma importância entender que o ativismo judicial, que tanto prega a intolerância para aqueles que não servirem aos propósitos dos manipuladores, não reconhece o cidadão que está do outro lado da mesa como igual.

Essa é mesma intolerância que extrapola os muros do judiciário e ganha as ruas com a ideia de que nenhuma lei é eficaz ou precisa ser seguida e que o importante é obedecer aos próprios instintos. Com efeito, esse pensamento traz consequências devastadores e de amplo aspecto ao interferir no trato de uns com os outros, causa intransigência contra a pessoa que tem opiniões, atitudes, ideologias, crenças religiosas diferente daquilo a que o narciso acha correto, e obriga a sociedade a uma tomada de postura, como um todo, a buscar o desenvolvimento de uma cultura jurídica que possibilite chegar a um lugar melhor.

Combater os intolerantes aplicando os rigores da lei é, pois, uma obrigação, se queremos impedir que o Estado Democrático venha a baixo.

Esse entrelaçar de conceitos e situações até aqui apresentados, mesmo que muitos insistam em não relacionar com a política e o cenário político atual, outra coisa não é que reflexo de parlamentares despreparados, escolhidos dentre aqueles que não possuem qualquer afinidade com o direito e suscetíveis de acordos e artimanhas que incrementam o conceito primeiro de corrupção.

De toda sorte, antes de adentrarmos nessa seara, é importante entender que a Política, tão indispensável ao direito, está presente em tudo o que fazemos no nosso dia a dia e é quem dita os rumos das leis que estão sendo colocadas à sociedade.

Destarte, uma sociedade esclarecida, preparada e consciente do seu papel, busca não votar errado e não permite que se instalem panoramas que possam comprometer o Estado Democrático ameaçando a estabilidade jurídica. Nesse sentido, não permitir que se adote à “política dos escândalos”, quer seja no judiciário, na administração pública ou no empresariado, para a resolução dos conflitos através do famoso “jeitinho”, é primordial. Abandonar a ideia de eleger o candidato menos pior e esperar que ele faça por todos o que é nossa obrigação, é de fundamental importância na medida em que é na política que vamos encontrar um dos mais hábeis meios de combate ao problema anterior, o judiciário ativista.

Entender que a política é uma atividade que pode ser melhorada e que de nada adianta criminalizar a política de forma genérica já que sua criminalização também significa criminalizar o Estado, torna mais fácil a compreensão de que a responsabilidade pela condução do Brasil passa pelas mãos da política e, ainda, que a intolerância, a qual nos referimos acima, não pode levar a crença de que este ou aquele partido não prestam. Na verdade, o que se tem que fazer é separar o joio do trigo. O partido agrega pessoas que professam os mesmos ideais, o que não quer dizer que agem da mesma forma. São coisas distintas, as pessoas que compõem os partidos e se comportam e desconformidade com o direito e necessitam de punição e os partidos entendidos como um todo.

Da mesma forma, não cabe a escusa de que quem está lá, lhe representando não é responsabilidade sua, quando votou e não se preocupou em escolher melhor.

Dito isso, creditar na política a esperança de um país melhor, na medida em que somente ela pode impedir o judiciário ativista de transformar jurisprudências em lei ou anular leis com jurisprudências criadas para representar apenas o ponto de vista do julgador, é o caminho. Esse caminho, como fazemos questão de indicar em nossos artigos, já está devidamente prescrito na lei posta e, neste caso em específico, pode ser encontrado no artigo 49, inciso XI da Constituição Federal, quando proíbe a invasão de outros poderes na feitura das leis que devem reger o país. Judiciário não legisla, não revoga lei e não transforma jurisprudência em lei. Judiciário aplica a lei posta e interpreta o limite dos princípios que serão usados na resolução do caso concreto.

Daí a importância do combate a intolerância, da busca por conhecimento e do reconhecimento do garantismo como forma de Democracia.

É preciso que estudemos o Direito pátrio, mas que estudemos esse Direito, direito. Que entendamos que o tal Garantismo nada mais é do que o respeito a Constituição e que só existe um caminho para fazer democracia, que é o respeito ao Direito posto e o comprometimento com a política como um todo.

Talvez agora, meu Caro Leitor, a parábola do jardineiro faça algum sentido: é preciso ser um jardineiro que conheça o direito, não aceite o ativismo judicial, respeite a Constituição e saiba escolher seus representantes, para que o jardim (Brasil) floresça e, principalmente, lembrar que o jardim, por si só, não produz frutos e flores sem que seja carinhosamente tratado por um jardineiro respeitoso. Comecemos falando aos amigos, semeando a perspectiva de que nossas palavras e letras floresçam e ao tempo certo o jardim estará pronto.

Encerramos nosso artigo com o seguinte pensamento: o direito não é o que o juiz quer que seja ou o que o tribunal diz que é, o direito é o que a Constituição Federal diz que é e todos por ela estão obrigados.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).