A banalização da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em benefício do consumidor investidor profissional

*Bruna Feldhaus

É certo que o advento da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), garantiu maior proteção e garantias ao consumidor que muitas vezes tinha seu direito violado por ser a parte mais vulnerável da relação, seja pela hipossuficiência jurídica, econômica ou informacional.

Ocorre que, a partir de 2015 quando a crise financeira assolou o país, gerando um boom negativo em termos de distratos, muitos especuladores imobiliários viram uma oportunidade para revisarem seus contratos em progresso.

Como já era de praxe pelos magistrados a escolha da aplicação do CDC para rescisão de contratos imobiliários, esse foi o mesmo instrumento adotado para as ações revisionais de compromisso de compra e venda.

O detalhe que vem sendo deixado para trás é, que, a automatização da aplicação do CDC para praticamente todo mérito que verse sobre um compromisso de compra e venda, acaba por gerar uma desproporcionalização do tratamento entre as partes, que é justamente um dos principais pontos de proteção da referida lei. Como consequência, iniciou-se uma cascata de revisões de contratos perfeitamente legais e livremente avençados, colocando as incorporadoras/empreendedoras na posição de vilãs do mercado, sob o pálio de que elas abusam da hipossuficiência do Consumidor, que muita das vezes até mesmo exerce a função de uma imobiliária.

Ao analisar o texto da lei, nem todo comprador é consumidor. Segundo o Art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. ” Ou seja, um investidor imobiliário que adquire múltiplas unidades com o fim comercial e profissional, pode ser considerado destinatário final?

O STJ em uma tentativa de caracterizar a relação de consumo desenvolveu a chamada Teoria Finalista Mitigada, que nada mais é que a interpretação extensiva do artigo retro citado. Segundo o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: ” O CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional, não abrangendo em seu âmbito de proteção, aquele que desenvolve atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.” Ademais, a jurisprudência vem se posicionando no sentido da verificação da existência ou não da vulnerabilidade, que muitas vezes é aduzida no processo de forma banal tendo em vista que poucas vezes é erificada, muito embora este venha a ser uma das principais características para qualificação do Consumidor, à luz do art. 4º do referido Código que defende o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.

É possível concluir, portanto que, nesses casos existe a viabilidade da conversão da relação de consumo para uma relação cível. O que demandaria ao advogado uma acurada pesquisa de campo, onde o estudo da vulnerabilidade da parte viria a ser o ponto crucial do processo, o que fatalmente resultaria na legislação mais afeita ao caso concreto, na trilha apontada pelo insigne Ministro do STJ: se a cível ou a consumerista.

*Bruna Feldhaus é advogada, associada ao Dias & Amaral Advogados Associados, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – Ibradim.