A análise da tipificação da necessidade de caracterização de dolo específico, no crime de contratação direta ilegal, segundo os Tribunais Superiores

*Fernanda Santos

Para a configuração do crime de dispensar ou declarar a inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais (previstas no art. 89 da Lei 8.666/1993, e da Nova Lei de Licitação –  Lei 14.133/21) é preciso haver a presença do dolo específico de causar dano ao erário público, e do efetivo prejuízo à administração pública. Para as instâncias ordinárias e superiores, o dolo está na mera dispensa ou na afirmação de que a licitação é inexigível fora das hipóteses previstas em lei.

Tanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ – O Tribunal da Cidadania, quanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, consideraram que o crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, e o seu artigo equivalente na Nova Lei de Licitação –  Lei 14.133/21 exigem, para sua caracterização, a intenção de causar lesão ao erário público, e a comprovação de que houve prejuízo ao ente público. Tais condições constituem elementares do tipo penal, devendo estar presentes para fins de tipicidade da conduta, os tipos penais previstos na Lei 8.666/93, e por conseguinte o artigo equivalente na Nova Lei de Licitação –  Lei 14.133/21, e tais balizas legais não têm por objetivo criminalizar a mera inobservância de formalidades legais para a contratação com o poder público, mas, sim, o descumprimento com a intenção de violar os princípios cardeais da administração pública.

Para o Superior Tribunal de Justiça – STJ – O Tribunal da Cidadania, consoante o entendimento da sua Corte Especial, o delito neste liame, apenas seria punível quando produzisse resultado danoso ao erário público (conforme relatado no julgado no APN 214/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 07/05/2008, DJe 01/07/2008; APN 226/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 1º/08/2007, DJ 08/10/2007, p. 187) (STJ, 2022, s/p).

E destaca se que há recente julgamento do Supremo Tribunal Federal – STF, onde se concedeu habeas corpus de oficio, por falta de justa causa, ao entender que, na época da concorrência, da assinatura do contrato, de seus aditivos e de sua execução, o investigado já não seria governador de modo que não poderia ser responsabilizado penalmente por fraude à licitação subsequente e pelo eventual desvio de verbas na execução do contrato, como se lê da Questão de Ordem na Ação Penal – AP 913. Ora, já se entendeu que o crime do art. 89 da Lei 8.666/93 e seu artigo equivalente na Nova Lei de Licitação –  Lei 14.133/21 seria de mera conduta, não se exigindo para a sua caracterização, a comprovação do dolo específico de fraudar o erário público ou de  causar um prejuízo à Administração Pública (STF, 2022, s/p). Sendo assim a caracterização do delito independe da efetiva lesão ao erário, sendo suficiente a dispensa irregular de licitação ou a não observação das formalidades legais de acordo com o Superior Tribunal de Justiça – STJ – O Tribunal da Cidadania (REsp 1.185.750 – MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe de 22 de novembro de 2010) (STJ, 2022, s/p).

Em igual sentido, esse mesmo Sodalício, sob a pena do mencionado Min. Félix Fischer, já tinha deixado consignado na ementa do REsp nº 991.880/RS (DJe 28/04/2008), que: “não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um ânimo, uma tendência, uma finalidade dotada de especificidade própria“, sem prejuízo de mais à frente concluir que, primeiro, “o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afirmação de que a licitação é inexigível, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância”, e, segundo, “não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário, por exemplo)”’. Esse mesmo entendimento, sob idêntica relatoria, prevaleceu no HC nº 108.389/SP (DJe 02/02/2009) (STJ, 2022, s/p), o que significa dizer que sempre se exigiu nada mais do que o dolo genérico, assim se entendendo a vontade livre e consciente de dispensar a licitação, para ficar na hipótese em tela, pouco importando a ocorrência ou não de modificação no mundo exterior vale dizer, a existência ou não de prejuízo aos cofres públicos, conforme a menção legislativa neste liame.

REFERÊNCIAS:

JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 19 nov 2022.

______. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O TRIBUNAL DA CIDADANIA – STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 19 nov 2022.

*Fernanda Santos é bacharela em Direito, especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG, especialista latu sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Rede Atame, especialista latu sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, entrevistadora do DM Jurídico, foi entrevistadora do Arena Criminal WEB, pela Rádio MID, capacitada em práticas colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC em 2018, capacitada em administração de conflitos e negociação pelo Centro Universitário Faveni em 2021, controller jurídico do escritório Abrahão Viana – Advogados Associados, e do Grupo Pitterson Maris Advogados Associados, parecerista em matéria cível, filiada na Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Goiás, e da Associação Vida e Justiça – Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das vítimas da COVID-19 – Núcleo Goiás, Vice presidente da Rede de Ação e Reação Internacional – RARI Núcleo Goiás (2021/2023), foi articulista do jornal Perspectiva Lusófona em Angola (2010/2012), articulista do jornal Diário da Manhã (2009/2019), com publicações veiculadas no site Opinião Jurídica (2008/2011) e no site Rota Jurídica em Goiânia-GO (2014/2022), e pela Revista Consulex (2014/2016), e com artigos publicados pela Revista Conceito Jurídico, e Prática Forense pela Editora Zakarewicz (2019). Foi membro efetivo da Comissão da Advocacia Jovem – CAJ, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás – OAB/GO – Gestão 2013/2015.