Algumas considerações sobre a delação premiada

advogado alex nederNossa constituição federal é garantista. O garantismo é a prática genuína a ser adotada pelas autoridades no processo penal assegurando a todos os investigados e acusados o direito ao silêncio, a um advogado, a ampla defesa, ao contraditório dentro dos parâmetros do devido processo legal, bem como todos os direitos e garantias fundamentais insculpidos no artigo 5º da Constituição da Republica. O que apoio, integralmente, e com toda razão, pois, em se tratando de garantias constitucionais, não há que se transigir.

No final da década de 80 para frente, tivemos várias conquistas trazidas pela nova constituição cidadã, com destaque para duas delas, o direito de permanecer em silêncio, ao ser inquirido na polícia ou em juízo, tanto o investigado quanto o acusado, motivo de frustração de milhares de investigações, e o estado de inocência, que diz que ninguém pode ser considerado culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A delação premiada é um instituto novo no Brasil. Esse instrumento surgiu nos Estados Unidos por volta da década de 60, quando a justiça americana combatia a máfia italiana, e o Bureau americano, o famoso FBI, constatou que todos os esforços convencionais eram inúteis no combate ao crime organizado. Foi quando se iniciaram os acordos legais, em que os criminosos colaboradores ganhavam regime diferenciado de prisão, separados dos demais criminosos, proteção para a família, nova identidade, e até completa isenção de pena, dependendo do grau da colaboração. O instrumento foi um sucesso, e acabou sendo difundido para outros países. Dentre eles na própria Itália. O caso de maior notoriedade foi a “operação mãos limpas” ou “Mani pulite”, com a participação do célebre juiz italiano Giovanni Falcone, que desmantelou a maior rede mafiosa da época, vindo a ser morto em razão de seu duro e incansável combate à máfia.

No Brasil, esse instrumento começou a ser utilizado de forma precária, pela falta de uma legislação especifica, primeiro combatendo as quadrilhas, e depois o crime organizado. Foi quando, no Brasil ainda pobre em leis, passou-se a utilizar o artigo 8º, parágrafo único da Lei 8.072/1990, o parágrafo 4º do artigo 159 do Código Penal, posteriormente a Lei 8.137/1990, que punia os crimes contra o sistema financeiro nacional, dentre outras que já muito precariamente tateavam o instituto da delação. Depois, com o advento da Lei 9.807/1999, que tratava da proteção de testemunhas. E outras legislações que previam de forma incompleta a delação premiada. Mas foi com a criação da Lei 12.529/2011 que a delação premiada começou a tomar corpo, surgindo também o acordo de leniência, prevendo sua utilização no combate ao crime contra a ordem econômica.

Mas com o advento da Lei 12.850/2013, de combate a organização criminosa, que o instituto da delação premiada ganhou status jurídico de realce, da forma mais ampla e completa que já existiu em nosso ordenamento jurídico.

A delação premiada é um instituto jurídico híbrido. E qual o motivo? Porque equivocadamente, como muitos dizem sem conhecimento, a delação não é instrumento da acusação, é um instrumento primeiro que serve ao investigado e/ou acusado, depois que ele é aproveitado simultaneamente pela acusação. E o advogado deve respeitar a escolha do seu constituinte, pois é o futuro dele e da família dele que estão em jogo. Cabe ao advogado com ética, honestidade e lealdade orientar bem o seu constituinte, mas a escolha final que deve prevalecer é a dele, acusado. Se o advogado se sentir desconfortável, que se afaste, mas respeite o direito de seu assistido. A colaboração precisa ser autêntica, eficaz e contribuir para a investigação e/ou instrução criminal, no sentido de desmantelar o grupo, ou seja, a organização criminosa, não basta apenas delatar por delatar, se o delator mentir ele esta sujeito a ter seu acordo revogado, e sofrer duras sanções legais.

A delação e ou colaboração sempre deverá ter o acompanhamento de um advogado para que o constituinte possa estabelecer e entender os termos do acordo. O colaborador pode, se quiser retratar da proposta de colaboração, e as provas produzidas não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor; após a colaboração, as provas produzidas terão que ser submetidas ao contraditório, ou seja, os outros acusados poderão se defender; após o recebimento da denúncia, o acordo deixa de ser sigiloso; nenhuma sentença poderá ser prolatada com base exclusivamente na palavra do delator. É preciso que haja outras provas que corroborem a delação, § 16 do artigo 4º da Lei 12.850/13.

Em suma, é um instituto jurídico, previsto em lei, e o delator ou colaborador como é chamado, é uma pessoa que visa sua conveniência, com total liberdade, como fazem outros que preferem usar do direito constitucional de permanecer em silêncio.

Com a deflagração da famosa operação Lava Jato, que vem desmantelando o maior esquema criminoso que já se viu na história desse país, estamos vendo de tudo um pouco. Enquanto o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Yussef resolveram ser colaboradores, outros preferem o silêncio como foi o caso do ex ministro José Dirceu, na Polícia Federal e na CPI. O importante é que estamos vivendo na plenitude o estado democrático de direito, onde o investigado ou acusado tem direitos, e devem ser tratados com respeito, pois, como estamos assistindo, a delação premiada veio para ficar.

Ao invés de se jogar pedras na legislação e rotular colaboradores de “dedo duro” e outros adjetivo, primeiro é valido registrar que não há honra no crime a ser preservada. Depois, o importante é reconhecer que a legislação brasileira esta se modernizando e aprimorando no combate ao crime organizado, o que fortalece as instituições, resguarda a sociedade e beneficia a todos, principalmente na recuperação dos ativos desviados para paraísos fiscais, antes intocáveis!

* Alex Neder é consultor jurídico e advogado criminalista.