Ex-delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, o advogado Alexandre Pinto Lourenço, especialista em investigação defensiva, alerta a população para os sucessivos casos em que criminosos têm buscado a inteligência artificial para adulterar conteúdo e praticar crimes de grave ameaça e extorsão.
O exemplo mais recente é o do padre Milton Justus, de 54 anos, candidato a vice-prefeito de Piracanjuba, no Sul de Goiás. Na última segunda-feira (2), ele registrou boletim de ocorrência na Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), depois de ser vítima de bandidos.
Em conversas no WhatsApp, os criminosos chegaram a se passar por delegados do Rio Grande do Sul e do Pará, cobrando inicialmente R$ 3 mil para que não fossem divulgados vídeos falsos da vítima comprando e usando drogas. Na prática, conforme a investigação, eles enviam vídeos temporários por meio do aplicativo, com voz e imagem do padre fraudadas. No entanto, apesar das constantes investidas, os bandidos não mostraram nenhum vídeo temporário que vinculasse a vítima ao consumo ou à compra de drogas.
“Sobre esses vídeos, tenho mais o senhor comprando droga e falando o que não devia”, diz uma mensagem recebida no dia 29 de setembro de um número no WhatsApp, usando nome e foto de um dos delegados, indevidamente. “Estou te chamando pra [sic] nós conversarmos sobre os 11 vídeos que tenho seu sr Milton”, afirma nova mensagem enviada de outro número. As ameaças também são dirigidas à esposa da vítima.
Lourenço, que é advogado do padre, acredita que a vítima seja alvo de uma rede criminosa e alerta que qualquer tipo de pessoa está suscetível a entrar na mira dos criminosos. “Os bandidos têm usado a tecnologia para praticar crimes de extorsão e grave ameaça contra diversas pessoas. Muitas delas ainda se sentem intimidadas a denunciar com receio de partirem para o enfrentamento à criminalidade e, como consequência, sofrerem mais perseguição ou até mesmo invasão de sua vida privada, mas é preciso recorrer às autoridades para que as medidas cabíveis sejam tomadas em cada caso”, assevera Lourenço.
O advogado explica que o crime de extorsão, tutelando o bem jurídico “patrimônio”, bem como a liberdade individual da vítima, busca evitar danos econômicos ao sujeito passivo. “No caso do padre, resta evidente o valor econômico, com exigência inicial de R$ 3 mil e, na atualidade, com investidas sucessivas buscando suposta ‘negociação’ para não se ter o conteúdo manipulado divulgado. Os criminosos, valendo-se de má fé, passaram a exigir do padre uma vantagem indevida, passando a coagi-lo e constrangê-lo a praticar uma ação indevida, ameaçando prejudicar sua imagem e causar-lhe prejuízo”, explica o especialista.
O padre diz que não chegou a fazer a transferência do dinheiro, o que, segundo o relato, motivou ainda mais os criminosos a intensificarem a extorsão e as graves ameaças nos últimos dias. De acordo com a investigação, as abordagens criminosas aumentaram desde que a vítima formalizou sua candidatura a vice-prefeito de Piracanjuba, no Sul de Goiás.
Lourenço lembra que a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que o crime de extorsão se consuma independentemente da obtenção da vantagem indevida. Por isso, conforme ele destaca, “é imperativo dizer que o delito em tela está consumado, uma vez comprovado o constrangimento causado à vítima, que se mostra com evidente temor de que os autores lhe causem mal injusto e grave”, destaca.
Além disso, há jurisprudência que reforça o entendimento. Justamente por se tratar de crime formal, o crime de extorsão se consuma quando a vítima toma conhecimento da ameaça com o fim de obtenção de vantagem ilícita. Nesse sentido, o local de consumação delitiva também é o local em que a vítima se encontrava quando tomou conhecimento das mensagens.