Quando um médico deve consultar seu advogado

*Fábio Cabar

A vida do ser humano – de forma consciente ou não – é constituída de contratos jurídicos que estabelecem direitos e deveres por toda a vida. Normas que o protegem na infância e adolescência, imputam responsabilidades civis e penais ao ingressar na idade adulta e que se distribuem por ramificações de acordo com as atividades que exerça. Dentre as mais complexas está a atividade profissional da medicina. De xamãs e curandeiros no passado, os médicos, por meio da ciência, passaram ao domínio dos cuidados para manutenção e recuperação da saúde em diversos matizes. Heróis quando salvam, tornam-se vilões quando expectativas de cura são frustradas. No mundo todo e no Brasil em particular, vive-se claramente relacionamento estressado por natureza entre médicos e pacientes. E muitos casos clínicos são judicializados. Vários com fundamento, diversos sem razão aparente. Os números que expomos abaixo – com possível distorção diante da dificuldade de apuração precisa – indicam que os profissionais estão precisando cada vez mais de apoio. Nesse sentido, cabe reflexão sobre quando um médico deve consultar seu advogado.

Em dez anos, de 2001 a 2011, aumentou em 302% a quantidade de processos ético-profissionais em andamento a partir de denúncias contra médicos no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), denúncias essas que estão relacionadas à má prática, erro médico ou infrações diversas ao Código de Ética Médica. Na justiça, o número de denúncias de erros médicos cresceu 52,1% em 2011, em relação ao ano anterior, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STF). Em 2016, 7% dos profissionais médicos em atividade já respondiam processos judiciais.

Do início de 2003 a 2017, o volume de escolas médicas no Brasil mais que dobrou, saltando de 126 cursos para 298 (até dezembro de 2017), que respondem pelo preparo de 30 mil novos médicos todos os anos. Inobstante o volume, pode-se dizer que temos, hoje, no Brasil, condições precárias de ensino nas faculdades de medicina e, consequentemente, formação de médicos pouco capacitados para exercerem a profissão.

Segundo dados do Conselho Federal de Medicina, apenas uma faculdade de medicina do país tirou a nota máxima na última avaliação do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Em uma escala de um a cinco, mais da metade teve nota menor ou igual a três. Da mesma forma, mais da metade dos recém-formados em escolas médicas do Estado de São Paulo (56,4%) foi reprovada na edição do Exame do CREMESP realizada no final de 2016 (os dados de 2017 ainda estão sendo apurados).

Ora, ações judiciais, quando infundadas, além de prejudicar diretamente a imagem e o prestígio do médico, acarretam em prejuízos financeiros, pois, para provar a sua inocência, o médico terá despesas com advogado, perícia e custas processuais. Dessa maneira, provar a sua inocência em uma ação judicial (mesmo que aventureira por parte do paciente) pode custar caro moral e financeiramente para um profissional da saúde.

Como medida preventiva contra tais reclamações, o profissional médico deve adotar ao menos cinco cuidados: primeiro, agir tecnicamente de acordo com os protocolos médicos; segundo, desenvolver uma boa relação com o paciente, pautada na ética, boa fé e transparência; terceiro, diante de um problema, chamar o paciente e, se for o caso, a família, para explicar didaticamente o caso (prestação de informações); quarto, fazer um bom prontuário médico para documentar todas as ações realizadas; e quinto, sempre se dedicar ao seu aprimoramento técnico por meio de educação continuada e atualização.

Dessa forma, com o quadro atual em mente, o médico deve estar sempre atento e procurar um advogado de sua confiança assim que surgir no horizonte a possibilidade de quaisquer conflitos – seja para prestar uma consultoria preventiva e evitar problemas, seja para auxiliar na melhor condução de situações de animosidade, inclusive chegando a evitar a instauração de litígios.

*Fábio Cabar, sócio-fundador de CGRC Advogados, médico e advogado, integrante da Comissão de Direito Médico da OAB/SP e presidente da Comissão de Ética Médica do Hospital das Clínicas de São Paulo