Prisão especial para portadores de diploma é questionada. Para governo goiano privilégios por função ou condição especial específica ferem igualdade

O fim da prisão especial para portadores de diploma de ensino superior é tema de ação da Procuradoria Geral da República. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334 contra o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito. Para ele, o benefício, previsto no inciso VII do artigo 295 do CPP, “viola a conformação constitucional e os objetivos fundamentais da República, o princípio da dignidade humana e o da isonomia”.

A Procuradoria Geral da República observa que o “privilégio” da prisão especial, instituído em 1937, no governo provisório de Getúlio Vargas, “originou-se em contexto antidemocrático, durante período de supressão de garantias fundamentais e manutenção de privilégios sem respaldo na igualdade substancial entre cidadãos”. Leis posteriores alteraram os critérios, mas “não foram capazes de retirar a mácula de inconstitucionalidade” da distinção para portadores de diploma de ensino superior.

Para o advogado Rogério Leal (foto), especialista em Direito Penal, se o intuito da ADPF 334 é prestigiar a isonomia, o correto seria lutar pela extinção do artigo 295 do CPP e não apenas de um de seus incisos, como proposto pelo procurador-geral da república. Leal salienta que o referido artigo, em sua totalidade, fere a igualdade entre os cidadãos. “Ao meu ver, é uma norma inconstitucional, pois não é razoável conceder privilégios por força da função que desempenham ou da condição especifica que ostentam, estes critérios são absolutamente multifários, falta razoabilidade”, salienta.

O especialista salienta que a exclusão de apenas um inciso reforçaria ainda mais a desigualdade já declarada e absolutamente consagrada pela jurisprudência nacional. Leal cita o doutrinador Guilherme de Souza Nucci, que, ao comentar sobre o referido artigo, diz que “o quadro exposto retrata um Brasil dividido por castas, em matéria de prisão cautelar: os comuns, os especiais e os super especiais. Nada disso é compatível com a igualdade de todos os brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Leal salienta que existem situações muito particulares que merecem ser taxadas como especiais. Ele observa que, Nucci, por exemplo, diz que separações, por cautela e para preservação da dignidade e da vida humana, somente devem ser acolhidas, quando disserem respeito a fatos e não a títulos. “Um grande exemplo seria pessoas com doenças infectocontagiosas ou pessoas com necessidades e que dependem de cuidados especiais”, ressalta.
Prisão processual
A ADPF lembra que a prisão especial é processual, de natureza cautelar, não se aplica à prisão resultante de sentença penal condenatória definitiva, além disso, a lei divide as hipóteses dessa prisão em dois grupos. O primeiro abrange pessoas que, por conta de suas profissões e atividades, teriam sua integridade física ameaçada no convívio com presos “comuns”, por estarem ligadas à Justiça criminal (policiais, magistrados, advogados criminalistas, jurados e membros do Ministério Público), ou por exercício de atividades políticas e administrativas (ministros e secretários de Estado, etc.).

No segundo, porém, Janot observa que “a lei estabelece uma espécie de relevância cultural-social do indivíduo por circunstância de ordem privada, como o grau de instrução”, amparando o suposto “direito” desses cidadãos a não “se misturarem” com presos “comuns”.

“Apenas o primeiro critério se justifica à luz da Constituição”, afirma o procurador-geral. A discriminação por nível de instrução, a seu ver, “contribui para a perpetuação da inaceitável seletividade do sistema de justiça criminal, que desagrega brasileiros, por acentuar e valorizar clivagem sociocultural entre eles e reafirma a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação que caracterizam parte importante da estrutura social brasileira”.

O procurador-geral argumenta ainda que a norma viola outra diretriz constitucional, a de separação de pesos não em função de seu nível educacional, mas da natureza do delito, da idade e do sexo. Tal separação, segundo Janot, é justificável: presos por crimes graves separados dos encarcerados por infrações leves; adultos mais velhos separados de jovens; homens de mulheres. “Há razão relevante de interesse público nesses casos”, sustenta. O critério do grau de escolaridade, porém, “não guarda relação lógica com a distinção instituída (prisão especial) nem com finalidade alguma buscada pelo texto constitucional”.

(Com informações do STF)