Advogado, denúncia anônima não pode gerar processo disciplinar

Sued Araújo Lima*

Em meio à rotina intensa da advocacia, poucos profissionais se atentam aos detalhes formais que envolvem a admissibilidade de uma representação disciplinar.

No entanto, um ponto crucial — e muitas vezes negligenciado — pode ser a chave para impedir o avanço de um processo ético injusto: a origem da denúncia.

1.A denúncia anônima não é fonte idônea no processo disciplinar da OAB

Ao contrário do que ocorre em procedimentos administrativos comuns — em que denúncias anônimas podem, em determinadas hipóteses, servir de base para apuração preliminar, no âmbito da OAB, a denúncia anônima não é considerada idônea para instaurar processo disciplinar contra os advogados.

Essa previsão decorre de um entendimento do Código de Ética e Disciplina da OAB:

 Art. 55. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação do interessado.

  • 1º A instauração, de ofício, do processo disciplinar dar-se-á em função do conhecimento do fato, quando obtido por meio de fonte idônea ou em virtude de comunicação da autoridade competente. 
  • 2º Não se considera fonte idônea a que consistir em denúncia anônima 

Nesse contexto, o Conselho Federal da OAB possui entendimento no mesmo sentido:

Recurso n. 49.0000.2023.005172-8/SCA-PTU. Recorrente: A.M.B. (Advogados: André Mansur Brandão OAB/MG 87.242 e outros). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Minas Gerais. Relator: Conselheiro Federal Ricardo Souza Pereira (MS). EMENTA N. 195/2024/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Denúncia anônima. Vedação. Recurso provido. 1) A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, assegura a todos a livre manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Referida norma constitucional encontrava-se reproduzida no artigo 51 do Código de Ética e Disciplina da OAB anterior, e, atualmente, está regulada pelo artigo 55, § 2º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, a qual dispõe que não se constitui em prova idônea aquela que tiver por origem exclusivamente a denúncia anônima. 2) No caso dos autos, o processo disciplinar foi instaurado de ofício, com base em cópias de páginas de site de internet, sem informações a respeito de eventuais diligências realizadas e da origem dos documentos, constituindo-se situação de instauração de processo disciplinar em decorrência de denúncia anônima, restando prejudicado o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3) Recurso provido, para determinar o arquivamento do processo disciplinar. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 2 de setembro de 2024. Renato da Costa Figueira, Presidente em exercício. Ricardo Souza Pereira, Relator. (DEOAB, a. 6, n. 1444, 23.09.2024, p. 26).

Portanto, a qualificação da parte denunciante é requisito essencial de admissibilidade. A ausência dessa informação, por si só, invalida o procedimento desde sua origem e deve conduzir ao arquivamento da representação.

2. Pertinência para sua defesa

É comum que, por receio de retaliações ou para evitar exposição, clientes insatisfeitos ou adversários encaminhem denúncias apócrifas contra advogados, esperando que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB investigue e, por consequência, aplique penalidades descabidas.

No entanto, não basta qualquer narrativa ou reclamação genérica para justificar a instauração de um processo disciplinar. Há requisitos que devem ser obedecidos no momento inicial da representação. A título de exemplo, prevê o Código de Ética e Disciplina:

Art. 57. A representação deverá conter:

I – a identificação do representante, com a sua qualificação civil e endereço;

II – a narração dos fatos que a motivam, de forma que permita verificar a existência, em tese, de infração disciplinar;

III – os documentos que eventualmente a instruam e a indicação de outras provas a ser produzidas, bem como, se for o caso, o rol de testemunhas, até o máximo de cinco;

IV – a assinatura do representante ou a certificação de quem a tomou por termo, na impossibilidade de obtê-la.

Desse modo, caso o advogado seja notificado de uma representação que não traz a qualificação do denunciante, ou que se baseia em denúncia anônima, esta é uma tese de defesa eficaz, que pode — e deve — ser utilizada para requerer o arquivamento do procedimento.

  1. Conclusão

A advocacia exige combatividade também na esfera institucional. Conhecer os limites do poder disciplinar da OAB é essencial para garantir que nenhum colega seja injustamente submetido a um processo com irregularidades. 

Portanto, a denúncia anônima não pode gerar representação disciplinar. Essa é uma regra clara, objetiva e que precisa invocada em defesa técnica quando necessário.

*Sued Araújo Lima é sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.