Marcela Gondim*
Recentemente, obtivemos uma decisão relevante na 15ª Vara Federal do Ceará que reconheceu o direito de uma médica ao abatimento de 25% do saldo devedor do Fies, com base em sua atuação no âmbito da Estratégia de Saúde da Família (ESF), em município classificado como prioritário pelo Ministério da Saúde.
Após a conclusão do curso, a profissional ingressou no serviço público, atuando como médica em unidade vinculada ao Programa Mais Médicos, com carga horária de 40 horas semanais, na cidade de Morada Nova/CE — município expressamente listado como região prioritária para fins de abatimento, conforme a Portaria Conjunta MS nº 3/2013.
Mesmo atendendo a todos os requisitos legais, a médica enfrentou dificuldades administrativas para fazer valer esse direito, inclusive com retorno automático do sistema. Restou à profissional recorrer ao Judiciário, que acolheu a tese da defesa com base no art. 6º-B, II, da Lei nº 10.260/01.
Reconhecimento judicial direto e objetivo
A sentença reconheceu o direito ao abatimento de 1% ao mês, totalizando 25% do saldo devedor, além da suspensão da exigibilidade das parcelas do financiamento enquanto perdurar o vínculo com a ESF. O Juiz Federal Bernardo Carneiro destacou, ainda, que o direito ao abatimento é garantido pela legislação federal desde que observados três critérios:
a) Atuação por pelo menos 12 meses ininterruptos;
b) Vinculação a equipe de saúde da família cadastrada;
c) Exercício em município considerado prioritário.
Com a documentação apresentada foi possível demonstrar o preenchimento desses requisitos de forma clara e irrefutável.
Por que a decisão é relevante?
Essa decisão reforça o entendimento de que o acesso ao abatimento do FIES não pode ser bloqueado por falhas administrativas ou sistemas inoperantes, sobretudo quando os requisitos legais são objetivamente preenchidos. Além disso, reafirma o papel do Poder Judiciário como garantidor de políticas públicas voltadas à valorização dos profissionais da saúde que atuam em regiões vulneráveis.
A decisão também reconheceu a legitimidade passiva do FNDE e do Banco do Brasil, afastando preliminares comumente levantadas em demandas semelhantes, o que contribui para a consolidação de uma jurisprudência mais clara e acessível para os profissionais que buscam esse direito.
Uma vitória que representa muitos
A conquista dessa médica representa não apenas a justiça individual, mas também um avanço para centenas de médicos que atuam em condições desafiadoras e que, por vezes, não conseguem ver seus esforços reconhecidos por barreiras burocráticas.
Enquanto advogada atuante na área, reforço a importância de se buscar o reconhecimento judicial sempre que houver violação ou omissão na análise de direitos como este. O abatimento do Fies é uma forma de incentivo e valorização legítima da atuação médica no SUS, e decisões como esta demonstram que é possível fazer valer a lei — mesmo diante da resistência do sistema.
*Marcela Gondim é advogada especialista em Direito Médico e da Saúde. Instagram (@marcelagondim_)