O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, na última sexta-feira (16), instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) contra duas magistradas do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) — a juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva, do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade — por decisões proferidas em julho de 2023 que impediram o acesso de uma adolescente de 13 anos ao aborto legal, após ela ter sido vítima de estupro.
A juíza Maria do Socorro também será afastada cautelarmente da titularidade da vara da infância e deverá atuar, temporariamente, em outra unidade judiciária até a conclusão do processo disciplinar. Já a desembargadora Doraci Lamar responderá ao PAD sem afastamento de suas funções jurisdicionais. A deliberação ocorreu em sessão plenária realizada sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso.
Em nota, o TJGO afirma que o processo tramita sob sigilo no CNJ, não sendo possível fazer comentários sobre o caso. Procurada, Maria do Socorro não respondeu ao contato feito pelo Rota Jurídica. O espaço continua aberto para manifestação.
Gravidez de 18 semanas
O caso teve início após a adolescente, grávida de 18 semanas, buscar atendimento médico para realizar o aborto legal. A equipe hospitalar, contudo, recusou-se a realizar o procedimento sem autorização judicial. Ao analisar a demanda, a juíza Maria do Socorro autorizou a interrupção da gestação, mas determinou que o procedimento fosse feito sem indução da morte fetal — o que, na prática, inviabilizava o aborto conforme os protocolos médicos.
Diante da decisão, o pai da adolescente — autor da ação judicial — interpôs recurso, sustentando que o feto não teria condições de sobreviver ao procedimento sem riscos à saúde da menor. O pedido foi analisado pela desembargadora Doraci Lamar, que suspendeu a realização do aborto até o julgamento definitivo do recurso.
O caso ganhou repercussão nacional e levou a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) a impetrar habeas corpus. Em decisão da então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi garantido à adolescente o direito de realizar o aborto legal, conforme previsto na legislação brasileira.
No Brasil, o aborto é legalizado em três situações específicas: quando a vida da gestante está em risco, quando a gravidez é resultado de estupro, e quando o feto é diagnosticado com anencefalia.
Representação da ABJD
A abertura do PAD no CNJ teve origem em representação apresentada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), em julho do ano passado. O secretário da entidade em Goiás, Vitor Albuquerque, destacou que o afastamento da juíza da vara da infância é uma medida necessária diante de condutas reiteradas em processos que envolvem aborto legal. Segundo ele, o CNJ tem respondido, ainda que minimamente, a decisões judiciais marcadas por fundamentações de cunho religioso e que violam direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
“A magistrada já demonstrou parcialidade em casos semelhantes, o que justifica seu afastamento do juizado da infância e juventude enquanto responde ao processo. Crianças e adolescentes acabam sendo duplamente violentadas — primeiro pelo agressor e, depois, pelo próprio Estado, ao negar a elas o direito legalmente garantido”, afirmou Albuquerque.