A desconstrução da retórica do dano moral automático na era digital

João Vítor Viana de Paiva*

Em recente decisão do 6º Juizado Especial Cível de Goiânia, foi julgada parcialmente procedente uma ação de obrigação de fazer cumulada com pedidos de indenização por danos morais e materiais, envolvendo o uso de um breve trecho de vídeo — captado por drone — em uma publicação nas redes sociais.

O autor, produtor de conteúdo audiovisual, alegava violação de seus direitos autorais em razão da utilização, sem autorização, de trecho de vídeo em postagem feita por uma corretora de imóveis. Pleiteava a condenação da ré a indenizações por supostos danos morais e materiais, além da proibição de nova utilização do material.

A defesa sustentou, com fundamento no art. 46, inciso VIII, da Lei nº 9.610/98, que a reprodução do conteúdo não caracterizou violação autoral, pois tratava-se de um pequeno trecho, utilizado com finalidade acessória, sem impacto comercial direto e sem prejuízo à exploração normal da obra. Demonstrou-se também que a publicação foi prontamente removida após notificação extrajudicial, o que evidencia boa-fé e ausência de resistência ao cumprimento dos direitos autorais.

A sentença reconheceu, com precisão, que o uso do conteúdo se enquadrava na exceção legal prevista no art. 46, VIII, da LDA, afastando a ocorrência de ato ilícito. Julgou improcedentes os pedidos de indenização, destacando a ausência de provas concretas quanto ao abalo moral ou ao prejuízo patrimonial alegado. Apenas o pedido de obrigação de fazer foi acolhido, para garantir o direito do autor de não ter sua obra reutilizada sem prévia autorização.

Portanto, a relevância da decisão está justamente na reafirmação da função equilibradora do art. 46 da LDA, que não pode ser visto como uma exceção marginal, mas sim como um dispositivo central para a compatibilização entre a proteção autoral e o uso legítimo de obras em contextos socialmente aceitáveis.

A reprodução de trechos curtos, para fins secundários e sem exploração comercial, é prática recorrente no ecossistema digital e deve ser analisada com cautela para que o direito autoral não seja esvaziado de seu espírito e convertido em um instrumento de repressão automática.

Além disso, a sentença rompe com uma lógica cada vez mais comum na prática forense: a presunção de dano moral como corolário de qualquer conflito envolvendo propriedade intelectual, independentemente da gravidade do fato ou da prova do impacto efetivo à dignidade, honra ou imagem da parte autora. Ao exigir demonstração concreta do prejuízo, o juízo reforça o caráter excepcional do instituto e combate sua banalização, o que é essencial para a preservação da coerência e da credibilidade da responsabilidade civil.

Por fim, é importante refletir sobre o papel do Judiciário na contenção do uso estratégico — e, por vezes, predatório — de ações autorais com pretensões indenizatórias desproporcionais. O reconhecimento da boa-fé, da brevidade do uso e da ausência de prejuízo real, como no presente caso, aponta para uma atuação judicial mais criteriosa, capaz de distinguir o verdadeiro conflito de interesses da tentativa de capitalização indevida sobre o sistema legal.

A decisão ora comentada, portanto, representa um avanço na construção de uma jurisprudência mais técnica e racional sobre o tema. Trata-se de um exemplo valioso de como o Judiciário pode reafirmar os princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da razoabilidade sem renunciar à proteção dos direitos autorais, mas sim aplicando-a com justiça, contexto e equilíbrio.

*João Vítor Viana de Paiva é advogado e associado do GMPR Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com ampla atuação nas áreas de Direito Desportivo, Direito do Entretenimento e Propriedade Industrial, especialmente em casos de repercussão nacional, assessorando e conduzindo processos de registro de marcas perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.