Herança digital: novo valor no Direito Sucessório

Thaís Sena de Castro*

A sociedade contemporânea vive cada vez mais conectada. Nossas memórias, relações e até parte do nosso patrimônio estão armazenados em ambientes digitais. Apesar disso, a maioria das pessoas ainda não considera o que acontecerá com suas contas, arquivos, senhas e ativos virtuais após a morte. É nesse cenário que surge a chamada herança digital, um componente que exige atenção e planejamento.

Herança digital diz respeito ao conjunto de bens e direitos de natureza digital que podem ser transmitidos após a morte de uma pessoa. Isso inclui, por exemplo, contas em redes sociais, e-mails, arquivos armazenados em nuvem, criptoativos, canais monetizados, carteiras digitais, milhas, domínios eletrônicos, entre outros. São conceitos que, apesar de intangíveis, podem ter grande valor econômico, afetivo e jurídico, ou criar problemas quase insolúveis na convivência dos sucessores.

A legislação brasileira ainda é incipiente sobre o tema. O Código Civil, por ser anterior à era digital como a conhecemos, não trata diretamente dessa categoria de bens. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) traz algumas diretrizes relevantes sobre dados pessoais, inclusive, ‘post mortem’, sem abordar diretamente o destino dos ativos digitais. Assim, os casos concretos têm sido resolvidos com base em interpretações jurídicas, cláusulas contratuais das plataformas e decisões judiciais esparsas, gerando insegurança para as famílias.

Com essa nova realidade, o planejamento sucessório ganha um novo e importante componente, a herança digital, que deve ser considerada nas disposições testamentárias, prevendo acessos, senhas e regras claras sobre o destino dos dados, a fim de evitar conflitos, perdas patrimoniais e violações à memória do autor da herança. Trata-se de um cuidado jurídico que visa proteger não só o patrimônio, mas também a dignidade, o legado pessoal do ‘de cujus’ e a convivência familiar.

O advogado, nesse contexto é agente fundamental, pois lhe cabe orientar sobre os riscos da omissão, sugerir medidas preventivas e auxiliar na elaboração de instrumentos jurídicos adequados. Mais do que nunca, o Direito das Sucessões precisa ‘dialogar’ com a tecnologia e com a realidade das famílias contemporâneas.

A herança digital não é um tema do futuro, é uma urgência do presente que quanto antes seja tratada com seriedade e aptidão técnica, maiores serão as chances de garantir segurança jurídica, respeito às disposições de última vontade do autor da herança e tranquilidade para seus herdeiros.

*Thaís Sena de Castro é sócia do escritório Felicíssimo Sena e Advogados Associados, diretora da OAB Goiás, especialista em Direito Processual Civil e Direito Administrativo.