Overbooking e downgrade: práticas abusivas das companhias aéreas à luz do Código de Defesa do Consumidor

Fabricia Martins Freire e Laíser Ribeiro Duarte Portilho*

Recentemente, a atriz Ingrid Guimarães trouxe à tona um problema recorrente enfrentado por passageiros de companhias aéreas: a alteração unilateral de sua reserva sem aviso prévio. Em seu caso específico, a atriz relatou que a American Airlines a obrigou a ceder seu assento na classe Premium Economy para outro passageiro devido a um problema na classe executiva. Segundo Ingrid, a abordagem da companhia aérea incluiu ameaças, constrangimento público e desrespeito à sua escolha.

Esse episódio reacendeu debates sobre duas práticas que ocorrem frequentemente na aviação comercial: o overbooking e o downgrade. O overbooking ocorre quando a companhia vende mais passagens do que a capacidade real do avião, apostando que alguns passageiros não comparecerão ao embarque. Já o downgrade consiste na realocação de um passageiro para uma classe inferior àquela originalmente adquirida.

Ambos os fenômenos são altamente problemáticos e violam direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A legislação brasileira protege o consumidor contra práticas abusivas, garantindo que o serviço contratado seja prestado conforme acordado. Neste artigo, exploraremos como essas práticas infringem o CDC, quais são os direitos do passageiro e como ele pode buscar reparação caso seja vítima de tais abusos.

Overbooking e Downgrade: Violação dos Direitos do Consumidor

As companhias aéreas justificam o overbooking como uma estratégia para otimizar seus lucros, prevendo que uma porcentagem dos passageiros não comparecerá ao embarque. No entanto, essa prática é ilegal no Brasil. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) estabelece que o serviço prestado deve estar de acordo com o que foi contratado e não pode ser modificado unilateralmente em prejuízo do consumidor.

O downgrade, por sua vez, é ainda mais grave, pois, além de não permitir o embarque na classe adquirida, obriga o passageiro a viajar em condições inferiores sem seu consentimento, muitas vezes sem compensação adequada.

Previsão Legal no Código de Defesa do Consumidor

O CDC protege o consumidor em diversas situações que envolvem o transporte aéreo. Abaixo, destacamos os principais artigos aplicáveis ao overbooking e ao downgrade:

  • Artigo 6º, inciso IV:São direitos básicos do consumidor: a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços.

Aplicação: O overbooking configura uma prática abusiva, pois engana o consumidor ao vender um serviço sem a garantia de prestação.

  • Artigo 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Aplicação: Se um passageiro sofre danos morais ou materiais em decorrência do overbooking ou downgrade, a companhia aérea tem responsabilidade objetiva, ou seja, deve reparar o dano independentemente de culpa.

  • Artigo 20, inciso II: O consumidor pode exigir alternativamente e à sua escolha: a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Aplicação: Se o passageiro for vítima de downgrade, ele tem direito à reexecução do serviço contratado ou ao reembolso, além de eventuais indenizações.

  • Artigo 39, inciso V: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.”

Aplicação: Forçar um passageiro a aceitar um downgrade ou negar seu embarque devido a overbooking são vantagens indevidas para a companhia aérea.

Além do CDC, a Resolução nº 400 da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) também prevê compensações para passageiros afetados por overbooking e downgrade.

Consequências e Direitos do Consumidor

Diante da ocorrência de overbooking ou downgrade, o consumidor pode exigir:

  1. Reacomodação em outro voo, sem custos adicionais e no menor tempo possível.
  2. Reembolso integral do valor pago pelo bilhete.
  3. Hospedagem e alimentação em casos de espera prolongada.
  4. Indenização por danos morais e materiais, caso tenha sofrido prejuízos (atrasos que causam perda de compromissos, desgaste emocional etc.).

Para garantir seus direitos, é recomendável que o passageiro:

  • Registre a ocorrência por escrito junto à companhia aérea.
  • Guarde comprovantes do bilhete, cartões de embarque e qualquer documento fornecido.
  • Registre reclamação junto à ANAC, ao Procon ou à Justiça.

Conclusão

A crescente recorrência de práticas abusivas como overbooking e downgrade levanta a necessidade de maior fiscalização das companhias aéreas e conscientização dos passageiros sobre seus direitos.

O Código de Defesa do Consumidor e a Resolução nº 400 da ANAC estabelecem normas claras para a prestação de serviços de transporte aéreo, protegendo os consumidores contra abusos e garantindo que as empresas cumpram suas obrigações.

Assim, o caso vivenciado recentemente pela atriz e comediante Ingrid Guimarães ilustra como passageiros podem ser expostos a situações constrangedoras e ilegais. No entanto, ao conhecer seus direitos e buscar reparação, os consumidores podem pressionar as empresas a adotarem práticas mais justas e transparentes, garantindo que os serviços contratados sejam prestados com qualidade e respeito.

*Fabrícia Freire é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e bacharel em Comunicação Social – Publicidade pela Universidade Federal de Goiás.  Advogada no escritório LP Soluções Jurídicas.  Coordenadora do Núcleo Universitário do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).

*Laíser Portilho é advogada e sócia do escritório LP Soluções Jurídicas. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), possui especializações em Direito Empresarial e Assessoria Jurídica, Direito Civil e Processo Civil, além de Contratos em Espécie.

Referências