Possibilidade de sucessão processual de empresas extintas

Mayuli Hancz*

Um assunto não tão recente, mas pouco discutido no mundo jurídico. Ao contrário do achismo popular, o sócio pode ser sim responsabilizado pela dívida da sua empresa. Agora pergunta-se, como? Qual artigo que prevê essa possibilidade? Todos os sócios serão responsáveis?

Ao mesmo tempo que não se trata de um assunto complexo, a matéria pode gerar dúvidas e inseguranças aos sócios que se sintam ameaçados diante da existência de uma ou inúmeras dívidas feitas pela empresa.

Conforme o boletim empresarial divulgado pelo Governo Federal, em 2024, o Brasil registrou o número de 2.436.190 (dois milhões, quatrocentos e trinta e seis mil, cento e noventa) empresas fechadas, sendo um saldo de 6,9% maior que o número registrado em 2023. Com o encerramento correto perante a Junta Comercial, a pessoa jurídica passa de ativa para extinta por liquidação voluntária.

Através de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp 2.082.254 -, uma analogia foi aplicada, afastando, assim, a necessidade de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).

O art. 110 do Código de Processo Civil, trata apenas da sucessão em caso de morte da pessoa natural. Entretanto, como o direito está em constante evolução e, na maioria das vezes, as lides precisam ser decididas através de analogias, passou-se a aplicar o referido artigo em face também das pessoas jurídicas, equivalendo a “morte da pessoa jurídica”.

Cirurgicamente, a Ministra Relatora Nancy Andrighi aponta que, “enquanto a sucessão deriva da extinção voluntária da sociedade empresária, a desconsideração resulta da verificação do abuso da personalidade jurídica por parte dos sócios/administradores”.

Mas isso vale para qualquer pessoa jurídica? A resposta é não. Apenas as pessoas jurídicas com responsabilidade limitada ou ilimitada que se enquadram em uma sucessão, justamente pela limitação de responsabilidade dos sócios.

Agora, uma possível penhora por dívida empresarial abrange todos os bens particulares dos sócios? Depende.

Quando a responsabilidade é limitada, no próprio fundamento, a Ministra conclui que, por mais que a sucessão não esteja especificada na legislação, o art. 1.110 do Código Civil disciplina a hipótese de o credor exigir o pagamento do sócio em caso de dissolução da sociedade. Com isso, cada ex-sócio se responsabilizará pelo pagamento da dívida até a soma recebida por eles na distribuição final da empresa.

Já na pessoa jurídica de responsabilidade ilimitada, como o próprio nome diz, é ilimitado, ou seja, os sócios respondem pelas dívidas empresariais sobre quaisquer bens particulares, até a quitação final da dívida.

Esse caminho jurídico pode ser mais simplificado para o credor, pois, diferentemente do IDPJ, o pedido de sucessão processual não gera custas ou desmembramento do processo, podendo ser realizado em petição simples, dentro do próprio processo executório, devendo seguir três requisitos, sendo eles: (i) esgotamento das medidas efetivas para a localização de bens da empresa; (ii) comprovação que a empresa está extinta por liquidação voluntária; e, (iii) indicação da qualificação básica dos sócios (nome completo e CPF).

Desta forma, sendo possível o cumprimento dos três requisitos, o credor pode invocar a aplicação da analogia, por se tratar de um instrumento mais benéfico e célere ao processo, desde que a sua situação não se enquadre nas hipóteses de um IDPJ, conforme o rol taxativo do art. 50 do Código Civil.

*Mayuli Hancz é advogada no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.

Referências

https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/boletim-do-mapa-de-empresas-3o-quad-2024.pdf

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=207188295&num_registro=202301393901&data=20230915&tipo=91&formato=PDF