João Vítor Viana de Paiva e Wilmar Fernandes Vieira Neto*
O recente conflito envolvendo a cantora Anitta e a Farmoquímica S.A, farmacêutica responsável pelo medicamento “Annita”, revela a importância estratégica e jurídica do correto registro de marcas, especialmente no tocante à definição das classes e subclasses da Classificação de Nice.
No caso, a farmacêutica, há muitos anos, detém regularmente o registro da marca “Annita” para medicamentos, sem que tenha havido qualquer tentativa de expansão de sua atuação para o setor de cosméticos. A disputa surgiu porque cosméticos e medicamentos pertencem à mesma classe (Classe 5), o que naturalmente gera áreas de sobreposição e potenciais conflitos no âmbito do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Nesse contexto, é fundamental reconhecer que o direito da farmacêutica sobre a marca “Annita” foi adquirido de maneira legítima e conforme a legislação vigente. O registro anterior garante à empresa uma posição sólida para a utilização da marca dentro dos limites das especificações aprovadas. A eventual intenção de terceiros de utilizar a marca, mesmo em ramos distintos, mas pertencentes à mesma classe, inevitavelmente enfrentará o ônus da convivência com registros já existentes.
Este caso ilustra, de maneira clara, a importância de um planejamento adequado no momento do depósito da marca, em especial, no setor de medicamentos. É imprescindível que os titulares avaliem não apenas seu mercado atual, mas também todos os produtos e serviços abrangidos pela classe e suas subclasses, de modo a se protegerem contra conflitos futuros e a delimitar sua atuação de forma segura.
A farmacêutica agiu de forma preventiva e estratégica ao registrar a marca em conformidade com as regras da Classificação de Nice, sem qualquer aproveitamento indevido de notoriedade alheia. O embate atual evidencia, portanto, não uma conduta reprovável por parte da farmacêutica, mas sim a necessidade de maior atenção dos novos titulares de marcas — especialmente celebridades e personalidades públicas — quanto à amplitude de proteção que desejam assegurar, considerando que o sistema classificatório pode gerar conflitos mesmo em atividades aparentemente distintas.
Além da análise específica sob a ótica da propriedade intelectual, é importante destacar que o setor farmacêutico é regulado por legislação própria quanto à nomenclatura e ao registro de medicamentos no Brasil. Nos termos da Lei n. 6.360/1976, todo medicamento precisa obedecer a critérios rígidos de rotulagem, denominação e comercialização, sujeitos à fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
A legislação exige que medicamentos sejam identificados com base na Denominação Comum Brasileira (DCB), prevista e regulamentada pela Resolução RDC n. 59/2014. A DCB é uma nomenclatura oficial, padronizada nacionalmente, destinada a uniformizar a identificação dos princípios ativos dos medicamentos, em linha com as práticas internacionais de segurança e transparência. Ademais, a rotulagem e a embalagem dos medicamentos devem obedecer à RDC n. 71/2009, que disciplina, entre outros pontos, a forma de apresentação dos nomes comerciais e dos princípios ativos.
O processo de registro dos medicamentos, por sua vez, é regulado, entre outras normas, pela RDC n. 200/2017, que determina os requisitos necessários para a aprovação de novos medicamentos no Brasil, incluindo aspectos relativos à escolha da denominação e à apresentação comercial do produto.
Portanto, diferentemente de produtos cosméticos, a escolha do nome de medicamentos está sujeita a limites adicionais de natureza sanitária e regulatória, reforçando ainda mais a necessidade de planejamento criterioso no uso de marcas no segmento farmacêutico.
Por fim, o episódio reforça a importância do registro de marca não apenas como um instrumento de proteção de mercado, mas como um verdadeiro ativo jurídico, capaz de garantir exclusividade e segurança a longo prazo, desde que corretamente estruturado desde a origem. A sobreposição de classes na Classificação de Nice, somada às exigências sanitárias próprias do setor de medicamentos, evidencia a complexidade do tema e a necessidade de análise técnica detalhada, tanto sob a ótica da propriedade industrial quanto da regulação sanitária.
*João Vítor Viana de Paiva é advogado e associado do GMPR Advogados, bacharel pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com ampla atuação nas áreas de Direito Desportivo, Direito do Entretenimento e Propriedade Industrial em casos de repercussão nacional, especialmente no assessoramento e condução de processos de registro de marcas perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
*Wilmar Fernandes Vieira Neto é advogado e sócio do GMPR Advogados, bacharel em Direito pela Faculdade Quirinópolis (FAQUI), pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil, pós-graduado em Assuntos Regulatórios, especialista em Direito Administrativo Sancionador e Direito Regulatório, especialista no Mercado Farmacêutico, conselheiro do Conselho de Usuários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/GO.