O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) decidiu que a pandemia da Covid-19 pode ser considerada uma justificativa válida para o atraso na entrega de um imóvel. A decisão, proferida pela 4ª Câmara Cível, negou provimento ao recurso de uma compradora que solicitava indenização por danos morais e materiais devido ao atraso de oito meses na entrega de sua unidade habitacional.
A sentença confirmou a validade de um termo aditivo assinado entre as partes, que prorrogava o prazo de entrega do imóvel por conta das restrições impostas pela pandemia. O entendimento do Tribunal foi de que a situação configurava caso fortuito ou força maior, afastando a responsabilidade da incorporadora pelo atraso.
Os advogados Arinilson Mariano, Carlos Montalvão e Marcelo Yamamoto, especializados em Direito Imobiliário, do Escritório Mariano, Montalvão e Freitas Advogados, representaram a incorporadora. Segundo eles, a decisão do TJGO está alinhada com a jurisprudência que se consolidou durante e após a pandemia.
Para Arinilson, a pandemia impôs desafios sem precedentes ao setor da construção civil. “Muitas construtoras enfrentaram dificuldades operacionais, seja pela falta de materiais, seja pela necessidade de afastamento de trabalhadores. O reconhecimento da pandemia como fator de força maior é essencial para garantir segurança jurídica tanto para consumidores quanto para incorporadoras”, afirma o especialista.
O caso em questão
O processo, movido contra uma incorporadora de Anápolis, alegava que o imóvel adquirido deveria ter sido entregue conforme o contrato inicial e que o atraso causou prejuízos à compradora, incluindo danos morais e lucros cessantes. No entanto, a incorporadora argumentou que, devido às restrições sanitárias e à escassez de mão de obra e materiais durante a pandemia, a obra sofreu atrasos inevitáveis. Para formalizar essa situação, foi firmado um termo aditivo ao contrato original, no qual as partes concordaram com a nova data de entrega.
Carlos Montalvão reforça que a assinatura do termo aditivo é um fator crucial na decisão. “Quando o consumidor concorda formalmente com a prorrogação do prazo de entrega, ele está ciente das circunstâncias e aceita os novos termos. Não há, portanto, descumprimento contratual, e a incorporadora não pode ser penalizada por um fator externo que fugiu ao seu controle”, explica.
A decisão do Tribunal
No TJGO, a relatoria do caso ficou a cargo do desembargador Kisleu Dias Maciel Filho, que manteve a decisão da juíza de primeira instância, Alessandra Cristina Oliveira Louza Rassi. O entendimento foi o de que o termo aditivo, assinado pela compradora, não apresentava vício de consentimento e, portanto, era válido.
Além disso, foi reconhecido que a pandemia representou um evento imprevisível e incontrolável, caracterizando caso fortuito e afastando a responsabilidade da incorporadora pelo atraso.
O desembargador citou o artigo 393 do Código Civil, que estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, e o artigo 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê excludente de responsabilidade em situações desse tipo. Com base nesses fundamentos, o Tribunal negou provimento ao recurso da compradora, mantendo a sentença que considerou improcedentes os pedidos de indenização.
Impactos da decisão
Para os advogados, a decisão do TJGO pode servir como precedente para casos semelhantes em todo o país. De acordo com eles, muitas construtoras enfrentaram processos judiciais em razão de atrasos na entrega de imóveis durante a pandemia, e o reconhecimento da Covid-19 como fator de força maior pode influenciar outras decisões judiciais. Além disso, ponderam, a validação de termos aditivos assinados entre compradores e incorporadoras reforça a importância de contratos bem estruturados e da comunicação transparente entre as partes.
Para consumidores que se encontram em situação semelhante, a recomendação dos especialistas é avaliar se houve a assinatura de aditivos contratuais e se a construtora de fato demonstrou os impactos da pandemia no cronograma da obra. Já para as incorporadoras, a decisão reforça a necessidade de documentar as dificuldades enfrentadas e manter um diálogo claro com os compradores.
Com o julgamento do recurso, o caso foi encerrado no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás, consolidando o entendimento de que a pandemia pode ser considerada uma justificativa válida para prorrogações contratuais no setor imobiliário.
Marcelo Yamamoto enfatiza que a decisão reforça a importância do equilíbrio nas relações contratuais. “O Código de Defesa do Consumidor protege o comprador, mas também reconhece que há situações excepcionais que impedem o cumprimento de prazos sem que isso configure abuso. Nesse caso, a pandemia foi um evento que impactou globalmente diversos setores da economia”, conclui.
Processo 5272924-27.2022.8.09.0006