O que muda nos contratos brasileiros com o Decreto nº 12.376 de 6 de fevereiro de 2025?

Brenda de Paula Cunha*

Histórico da validade jurídica de documentos e contratos:

Antes da regulamentação da assinatura digital no Brasil, a validade jurídica de documentos e contratos dependia majoritariamente de assinaturas manuscritas e da versão física dos documentos.

O ordenamento jurídico nacional, especialmente o Código Civil de 1916 (posteriormente substituído pelo Código Civil de 2002) e o Código de Processo Civil, exigia que contratos fossem assinados fisicamente pelas partes envolvidas, salvo exceções previstas em lei. Esse modelo impunha barreiras burocráticas e aumentava a dependência dos serviços cartorários, tornando os processos contratuais mais demorados e custosos.

Para assegurar a autenticidade dessas assinaturas, era comum que as partes recorressem ao cartório para o reconhecimento de firma. O artigo 411, inciso I, do Código de Processo Civil estabelece que um contrato sem reconhecimento de firma não é considerado autêntico. Esse procedimento certificava que a assinatura pertencia de fato ao signatário, garantindo maior segurança jurídica ao documento.

Quanto a assinatura de testemunhas em contratos, esta não é obrigatória de acordo com o Código Civil, mas sua presença pode conferir ao documento o status de título executivo extrajudicial, conforme estabelece o artigo 784 do Código de Processo Civil, que exige a assinatura de duas testemunhas para que o contrato possa ser executado judicialmente. Assim, embora a assinatura de testemunhas não seja um requisito essencial para a validade do contrato, ela pode ser crucial para facilitar sua execução em caso de descumprimento.

As assinaturas digitais:

Após essas legislações, surgiram as assinaturas digitais. Atualmente, documentos assinados digitalmente têm plena validade jurídica, desde que cumpram os requisitos legais. A legislação brasileira equipara documentos eletrônicos e assinaturas digitais a contratos físicos e assinaturas manuscritas, desde que observadas as condições legais.

A Medida Provisória nº 2.200-2/2001 foi um marco na certificação digital ao instituir a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que assegura a autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos eletrônicos. Essa regulamentação permitiu avanços significativos na digitalização documental e na segurança das transações virtuais.

O Código Civil também trata do tema. O artigo 104 estabelece que um negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei. O artigo 107 determina que a manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita, permitindo que meios eletrônicos substituam a forma escrita tradicional, desde que atendam às exigências legais.

Complementando essa regulamentação, a Lei nº 12.682/2012 trata da digitalização de documentos e estabelece que eles possuem o mesmo valor jurídico de documentos físicos, desde que garantida sua autenticidade e integridade. Esse avanço consolidou o uso de documentos eletrônicos como meio válido para formalização de acordos empresariais e transações comerciais.

O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, reforça essa validade, prevendo no artigo 7º, inciso VII, que atos praticados na internet, incluindo assinaturas eletrônicas, têm validade jurídica quando observadas as normas específicas. Para que um contrato digital tenha validade, é essencial garantir sua autenticidade, ou seja, que a assinatura digital permita a identificação inequívoca do signatário. A integridade é outro requisito indispensável, impedindo alterações no documento após sua assinatura.

A segurança jurídica é reforçada pelo uso de certificados digitais emitidos por autoridades certificadoras vinculadas à ICP-Brasil, inclusive, dispensando a assinatura de testemunhas, especialmente quando o contrato já possui outras formas de comprovação de sua autenticidade, como a assinatura digital certificada pela ICP-Brasil.

Além disso, em contratos celebrados por meios eletrônicos, como e-mails ou plataformas digitais, a necessidade de testemunhas pode ser substituída por outros mecanismos de segurança, como a certificação digital ou a assinatura eletrônica avançada, que garantem a autenticidade e a integridade do documento.

O Decreto nº 12.376:

No último mês, no dia 6 de fevereiro de 2025, foi publicado o Decreto nº 12.376, emitido pela Presidência da República e publicado no Diário Oficial da União, o qual promulgou o Acordo de Reconhecimento Mútuo de Certificados de Assinatura Digital do Mercosul, assinado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Esse acordo representa um avanço significativo na integração digital entre os países, simplificando transações eletrônicas e aumentando a segurança jurídica no ambiente digital.

O principal benefício é o reconhecimento recíproco das assinaturas digitais, garantindo que documentos assinados digitalmente em um país do bloco sejam válidos nos demais sem necessidade de procedimentos adicionais, como reconhecimento de firma ou autenticação cartorial.

Com a entrada em vigor desse acordo, empresas brasileiras que atuam no Mercosul podem celebrar contratos eletrônicos com parceiros estrangeiros utilizando certificados digitais da ICP-Brasil, sem se preocupar com sua validade nos outros países. Isso reduz custos, simplifica processos e assegura a segurança das transações, uma vez que o acordo estabelece padrões comuns de autenticidade e integridade.

Ademais, o decreto impulsiona a confiança nas operações digitais e estimula o uso de contratos eletrônicos em áreas como comércio exterior, prestação de serviços e acordos empresariais. A eliminação da necessidade de traduções juramentadas e autenticações presenciais torna os procedimentos mais eficientes.

A adoção de assinaturas digitais reconhecidas internacionalmente traz inúmeros benefícios. Entre eles, destaca-se a simplificação dos trâmites burocráticos para empresas que operam no Mercosul. Antes da promulgação desse decreto, contratos firmados digitalmente no Brasil poderiam não ser automaticamente reconhecidos em outros países do bloco, exigindo procedimentos extras para validação. Com o novo acordo, documentos digitais passam a ter aceitação imediata em qualquer um dos países signatários, garantindo maior agilidade nas relações comerciais.

Contudo, desafios ainda existem, especialmente no que diz respeito à implementação prática do acordo. Para que os certificados digitais sejam amplamente aceitos, é necessário garantir que os sistemas de autenticação dos diferentes países estejam alinhados e sigam os mesmos padrões técnicos. Além disso, a adoção massiva da assinatura digital depende da conscientização e capacitação de empresas e profissionais do direito, que precisam se adaptar a essa nova realidade.
Funcionamento no Brasil:

No Brasil, a implementação do acordo será supervisionada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), garantindo que os certificados digitais brasileiros atendam aos padrões internacionais. O ITI desempenha um papel fundamental na regulamentação e adaptação do sistema nacional aos novos requisitos do Mercosul, assegurando que as assinaturas digitais emitidas no país sejam compatíveis com as dos demais países signatários.

Outro ponto relevante é a adaptação das normativas empresariais e governamentais para assegurar que o reconhecimento mútuo dos certificados seja eficaz na prática. Isso pode envolver a criação de regulamentos adicionais para alinhar a aplicação do acordo às necessidades específicas de cada setor econômico.

O avanço tecnológico e a digitalização crescente do setor jurídico indicam que esse é um caminho sem volta. À medida que mais países adotam sistemas de certificação digital robustos, espera-se que acordos semelhantes sejam firmados com outras regiões, facilitando ainda mais a internacionalização das transações digitais. No futuro, a expectativa é que normas globais unificadas de certificação digital possam ser estabelecidas, garantindo maior interoperabilidade entre diferentes países e continentes.

O que muda nos contratos brasileiros com o Decreto nº 12.376?

O Decreto nº 12.376 representa um marco na modernização dos contratos brasileiros, que se iniciou com a evolução da assinatura digital e agora se expande para o âmbito internacional. Ao estabelecer o reconhecimento mútuo de certificados de assinatura digital entre os países do Mercosul, o decreto reduz burocracias, impulsiona a integração econômica e fortalece a segurança jurídica das transações eletrônicas. Com a implementação coordenada pelo ITI, espera-se que as empresas e os profissionais do direito se beneficiem dessa nova realidade, tornando as operações mais rápidas, seguras e eficientes.

A consolidação da certificação digital como prática comum no Brasil e no Mercosul reforça a tendência global de digitalização dos processos jurídicos e comerciais. A longo prazo, esse avanço pode contribuir para um ambiente de negócios mais dinâmico, acessível e alinhado às demandas da economia digital.

*Brenda de Paula Cunha é advogada e consultora jurídica graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás (PUC-GO) e pós-graduada em Direito Empresarial: Estruturas Societárias, Contratos e Compliance pela Universidade de São Paulo (USP), membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO e coordenadora do Núcleo de Direito Privado do Instituto de Estudos Avançados. Possui ampla atuação no Direito Contratual, Societário e Mercado de Capitais.