A importância da nomeação e da valorização do inventariante judicial para o processo de inventário e partilha

Eduardo Walmory Sanches*

O inexorável da vida é a morte. Desse modo, em algum momento de nossa jornada estaremos diante de um juiz da vara de sucessão participando, de algum modo, de algum processo de inventário.

O legislador estabeleceu a figura do inventariante como auxiliar do juízo (com deveres e obrigações, CPC, 618,619 e 620) na condução do inventário e fixou regras de preferência para as hipóteses de pessoas que podem ocupar tal função. Na sétima posição da preferência ficou o inventariante judicial (CPC, art. 617, VIII).

Vale lembrar que a preferência do legislador recaiu sobre o inventário extrajudicial, realizado de forma consensual. Infelizmente, nem sempre é possível obter o acordo entre os herdeiros e por consequência, o ajuizamento da ação de inventário judicial será necessário.

Revela-se fundamental para o bom andamento do inventário que o inventariante nomeado possua as seguintes qualidades, ou características:

a) cumpridor das ordens judiciais;

b) especialista na legislação sobre sucessões e bom entendedor das demais legislações; tais como: direito empresarial, civil (contratos) e família;

c) tenha conhecimentos de administração e certo grau de habilidade em contabilidade;

d) tenha habilidade social para conversar e dialogar com os herdeiros que estão em pé de guerra (inteligência emocional).

Por evidente é muito difícil, quase impossível que os parentes do autor da herança (herdeiros/meeiro) tenham todas essas qualidades reunidas. Geralmente, um dos herdeiros possui interesses próprios que são antagônicos aos interesses dos demais herdeiros. Nesse momento, surgem os problemas no processo judicial. Tais problemas acarretam consequências desastrosas que irão permitir que um processo de inventário permaneça 10, 20, 30 anos ou mais em tramitação sem perspectiva de finalização.

Na realidade, o juiz do processo depende da atuação diligente do inventariante. Em suma: se o inventariante não quiser, o processo judicial de inventário não termina. Isso é uma triste realidade que todos os operadores do direito que militam o dia a dia das varas de sucessão conhecem.

Vale ressaltar a existência de uma incongruência lógica no fato do legislador determinar que a nomeação do inventariante deva recair sobre herdeiros ou meeiro. Explico: se houver consenso entre os herdeiros haverá, em regra, o inventário extrajudicial consensual. Por outro lado, na hipótese de ocorrência de conflito haverá o ajuizamento de ação judicial de inventário. Portanto, a existência do processo judicial de inventário pressupõe a existência de briga, conflito ou disputa de interesses entre os herdeiros.

Desse modo, faço a pergunta aos operadores do direito de boa vontade: Qual seria a lógica do razoável em determinar que um dos herdeiros ou meeiro (que estão em disputa, em elevado grau de animosidade, em conflito de interesses pessoais) deva ser nomeado pelo juiz para exercer o cargo de inventariante?

Ora, se nem os herdeiros confiam uns nos outros, como obrigar o juiz do inventário a confiar num deles e fazer tal escolha? O legislador deveria, por evidente, ter optado apenas pela opção do inventariante judicial desde o início de qualquer processo de inventário judicial.

No sistema processual atual, em regra, o inventariante judicial será chamado a intervir no processo (nomeado pelo juiz) quando situações fáticas revelarem a presença de animosidade excessiva entre os herdeiros. Esse estado de beligerância entre os herdeiros pode ocorrer em razão de desconfiança ou suspeitas de desvios de bens praticados por algum dos herdeiros, em prejuízo dos demais, ou até mesmo por brigas, ameaças e agressões que ocorram, logo após o falecimento do autor da herança. Nesse caso, o juiz ao constatar que a existência da animosidade entre os herdeiros, fato gerador de elevado grau de desconfiança e discórdia, pode dificultar e prejudicar o bom e regular andamento do processo judicial de inventário deve nomear o inventariante judicial.

Entendo que é possível ao magistrado nomear o inventariante judicial desde o início do processo de inventário quando os elementos de convicção (boletins de ocorrência de ameaça, lesão corporal ocorrido entre os herdeiros) foram juntados com a inicial. O ideal para se evitar a ocorrência da não surpresa é que o juiz expressamente estabeleça que caso ocorram essas hipóteses poderá haver a nomeação de inventariante judicial.

Feita a nomeação do inventariante judicial ( I J ) surge então um novo desafio ao juiz condutor do feito. Como fixar a remuneração desse profissional. O Superior Tribunal de Justiça (REsp nº1989894/SP; Min. Nancy Andrighi) decidiu que não se pode utilizar como analogia a figura do testamenteiro (CC, art.1987) porque não exercem funções parecidas.

A prática revela que qualquer que seja o valor fixado pelo juiz para remunerar o inventariante judicial, tal valor fixado será considerado elevado pelos herdeiros, em especial, por aquele que foi removido da inventariança. Ademais, merece registro certo grau de preconceito que parte da doutrina e dos juristas possuem quando o assunto é inventário. Muitos, por absoluto desconhecimento da prática da matéria, da dificuldade do dia a dia, torcem o nariz e procuram com piadinhas demonstrar certo grau de preconceito e desprezo sobre o tema.

Insisto no argumento: você pode passar pela vida sem nunca ter criado uma pessoa jurídica. Ou até mesmo, sem nunca ter sido credor ou devedor de ninguém. Desse modo, essa pessoa hipotética jamais passará perto de uma vara empresarial ou vara cível. Por outro lado, todos nós, algum dia, iremos passar pela vara de sucessão. A vara de sucessão é a mais importante de todas, pois é a única que trabalha com o inexorável da vida.

O estudo comparativo do artigo 22 da Lei 11.101/2005 e dos artigos 618, 619 e 620 do Código de Processo Civil revela a similitude das obrigações e deveres, que tanto o administrador judicial (AJ), quanto o inventariante judicial (IJ) possuem.

Impende salientar que a importância social do administrador judicial na manutenção das empresas e na manutenção dos empregos não se sobrepõe a importância social do inventariante judicial. Explico: o inventariante judicial é um pacificador social. Lembre-se, por oportuno, que o número de agressões, ameaças, tentativas de homicídios e até assassinatos que ocorrem entre os herdeiros em conflito, durante o processo de inventário judicial é assustador. Por outro lado, tais situações não ocorrem com a mesma frequência quando o assunto é administrador judicial e direito empresarial.

Merece registro que além de todos os deveres e obrigações assumidas pelo inventariante judicial, ainda existe o risco a sua integridade física. Somente aquele operador do direito que milita o dia a dia da sucessão sabe a dificuldade, o risco e o custo para se reunir com os herdeiros em conflito e visitar fazendas em municípios e estados diferentes. Tudo isso levado em consideração e, quase sempre esquecido pelos juristas que se encontram em ambientes controlados (temperatura e pressão) leva à conclusão que a remuneração desse profissional deveria estar especificada na legislação, nos mesmos moldes do que ocorre com o administrador judicial.

Diante dessa omissão legislativa e tendo a necessidade de criar uma solução jurídica sustentável para resolver o problema, decidi utilizar a interpretação sistemática, a analogia e a razoabilidade para me auxiliar na busca da solução jurídica mais adequada. No julgamento do processo nº5044542-80.2024 (1ª Vara de Sucessões de Goiânia/GO) apresentei decisão que estabeleceu normas e parâmetros para fixação da remuneração do inventariante judicial ( I J ). Narra trecho da decisão judicial: “ (…) “o juiz pode e deve utilizar também o instituto da analogia para julgar uma situação semelhante a outra em que já exista uma lei específica, ou seja, uma determinada situação em que não haja a norma objetiva sobre o tema em discussão, porém em razão da similitude da situação fática, o operador do direito aplica regra estabelecida em outra legislação já existente” (…) “Interpretação sistemática é aquela que se estabelece com a possibilidade de organização sistemática das leis dentro do ordenamento jurídico de forma coerente e lógica. O pressuposto (premissa maior) é que não existem incompatibilidades dentro do ordenamento jurídico, pois este deve ser analisado e entendido como um todo unitário, ocorrendo então, verdadeiro diálogo entre as fontes coerentes ao conjunto. Trata-se de método de interpretação que tem como escopo buscar a harmonia entre as normas, analisando uma de acordo com o que diz as outras, beneficiando o sistema jurídico como um todo, porque afina, o sistema se completa em conjunto”. (…) “ nesse contexto, passo a analisar a legislação, em especial  a Lei nº 11.101/2005 que prevê a nomeação do Administrador Judicial (auxiliar do juízo) seus deveres, obrigações e responsabilidades, e, em seguida, faço uma comparação com o Código de Processo Civil que estabeleceu as obrigações, responsabilidades e deveres do Inventariante Judicial (auxiliar do juízo) (CPC, art.617, VII)” (…) “ merece registro que tanto o Administrador Judicial ( A J ), quanto seu “primo pobre” o Inventariante Judicial ( I J ), apresentam obrigações, responsabilidades e deveres semelhantes”. (…) “Infelizmente, o legislador não teve a mesma preocupação com o inventariante judicial. Na recuperação judicial, por exemplo, a remuneração é compatível com a responsabilidade do cargo (recuperar a empresa salvando empregos). Todavia, quando se trata do Inventariante Judicial em que a responsabilidade é muito maior (administrar o patrimônio do espólio pacificando a relação familiar (base da sociedade) evitando brigas e até mesmo a ocorrência de crimes de homicídio que frequentemente ocorrem nas brigas por herança, a remuneração não foi fixada pelo legislador. Utilizando a interpretação sistemática e a analogia para ajudar o operador do direito na solução desse problema entendo que a remuneração fixada ao administrador judicial, no artigo 24 da Lei nº11.101/2005 deve ser utilizado como parâmetro na fixação da remuneração do inventariante judicial, enquanto não houver tratamento específico na legislação. Deve-se buscar a harmonia entre as normas (diálogo entre as fontes coerentes ao conjunto) para beneficiar o sistema jurídico e solucionar essa omissão do legislador. A aplicação dos institutos da analogia, da interpretação sistemática e da razoabilidade permitem concluir que o inventariante judicial ( I J ) é um pacificador de conflitos sociais. Urge destacar que o processo judicial de inventário possui o poder de impactar e paralisar a vida das pessoas por décadas causando traumas e sequelas emocionais terríveis. A importância do Inventariante Judicial no mundo jurídico e nas relações humanas é muito maior que o Administrador Judicial. Dessa forma, não há razão para não se valorizar o trabalho do inventariante judicial e negar a aplicação da interpretação sistemática na fixação da remuneração nos moldes aqui definidos”(…) “ Ante o exposto, julgo procedente o pedido de remoção do inventariante (em razão da animosidade excessiva entre os herdeiros que prejudica o andamento do processo de inventário) e nomeio para auxiliar o juízo na condição de inventariante judicial, a Dra” (…) “e fixo sua remuneração utilizando a interpretação sistemática, conforme as explicações supracitadas, em quantia equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da herança. A remuneração deverá ser paga” (…) “após a publicação da sentença da sentença que homologar a partilha e antes da expedição dos respectivos formais”.

Importante mencionar que a Escola Superior da Advocacia de Goiás (ESA/GO), atendendo a nosso pedido, elaborou o primeiro curso no Brasil para formação de inventariantes judiciais. Essa medida pioneira e de vanguarda contribuiu para que o magistrado pudesse nomear vários e diferentes inventariantes judicias em vários processos de inventário em andamento. Revela notar que a entrada do inventariante judicial no processo de inventário judicial causa uma verdadeira revolução nos autos, uma vez que, o profissional nomeado somente recebe sua remuneração ao final do processo, quando da publicação da sentença de homologação de partilha. Acredito que no futuro próximo, o legislador irá alterar o CPC e acrescentar na redação do parágrafo único, do artigo 617 do CPC, ou em qualquer outro artigo do CPC (618, 619 ou 620) a fixação da remuneração do inventariante judicial em 5% (cinco por cento) sobre o valor da herança. Essa medida simples trará uma verdadeira revolução no mercado de trabalho da advocacia e irá contribuir com a celeridade na entrega da prestação jurisdicional tornando todo o processo de inventário mais eficiente e profissional.

*Eduardo Walmory Sanches É juiz de Direito da 1ª Vara de Sucessões de Goiânia/GO. Autor dos livros: 1) A responsabilidade civil das Academias de Ginástica e do Personal Trainer. Editora Juarez de Oliveira. 2) A Ilegalidade da Prova obtida no Inquérito Civil. Editora Forense.