A Índia, o Brasil e a proposta de tecnologia por água

Kowalsky Ribeiro*

O comércio da Índia com o Brasil dobrou para US$ 16 bilhões em relação ao nível pré-pandêmico. A Índia importa petróleo bruto, açúcar e óleo de soja do Brasil; enquanto exporta agroquímicos, combustível, produtos farmacêuticos, automóveis e metais. Há potencial para aumentar esse volume de comércio para US$ 40 bilhões em três anos. O Governo de Goiás, as prefeituras dos municípios de Goiânia, Itumbiara, Rio Verde e de Catalão, a Câmara de Comércio Brasil Índia, a Embaixada do Brasil na Índia e o Consulado-Geral do Brasil em Mumbai promoveram, na primeira quinzena de fevereiro, a troca de delegações e eventos comerciais para aprimorar o comércio e o investimento bidirecionais.

Representando a cidade de Goiânia, conjuntamente ao presidente da Câmara Municipal de Goiânia, Romário Policarpo; ao diretor legislativo José Carlos Issy e, sob a direção do chefe da missão, o governador Ronaldo Caiado, as lições e oportunidades foram inúmeras, afinal, trata-se de uma economia de US$ 40 trilhões até 2047. População que chegará a mais de 1,7 bilhão até 2050 (hoje 1,4 bilhão).

O Estado de Goiás tem a 10ª maior economia entre 26 estados e está interessado em fortalecer a parceria com a Índia em energia verde, agricultura, produtos farmacêuticos e outros setores. A ideia atual é colaborar com a Índia em baterias de lítio, Inteligência Artificial e outros setores emergentes e, assim, sair do tripé: açúcar, petróleo bruto e soja. Para tanto, Romário Policarpo defendeu a criação do Polo Industrial de Goiânia com foco em Inteligência Artificial (IA) para atrair o chamado Digital Índia.

A economia de Goiás cresceu duas vezes mais que a economia brasileira em 2023, e o estado está em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Econômico do Brasil. Goiás está em segundo lugar na produção de etanol e açúcar, o que motiva a parceria com a Índia na troca de tecnologia para biocombustível, especialmente etanol. Nesse ínterim, é importante salientar que a Índia lidera a tecnologia de inovações em biometano e biogás no mundo. Ademais, dois pontos que interessam ao setor governamental de Goiânia: soluções para o aterro sanitário e destinação do lixo.

Por outro lado, a Índia é líder na produção de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) e pode explorar oportunidades de exportação para Goiás, uma vez que o Governo do Estado objetiva ser o maior polo fármaco do Brasil em breve – somos dependentes de importação porque há apenas uma empresa brasileira que produz IFA. Então, urge importar IFAs da Índia, já que o Brasil depende dos EUA em grande medida para importações de produtos farmacêuticos e de saúde. O Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia) está recebendo recursos para ampliação, mas Goiânia pode se posicionar na expansão de possibilidades para implantação de mais indústrias farmacêuticas – por meio de um novo polo industrial destinado tanto para fármacos, quanto para IA.

Ao adentrar na Índia, o principal alerta é sobre a água. O consumo básico por nós negligenciado, para eles se torna um imenso desafio. O acesso à água potável é complexo. Destina-se muito a água reutilizável para funções cruciais a nós, como hidratação pessoal e não estou falando de higienização; sofrem por lá com escassez e tensões por falta de água. Como a água é um recurso natural tão essencial, não é surpreendente que o Banco Mundial prevê que ela se tornará a maior causa para guerras no século 21. Na Índia, os conflitos pela água existem em diversos níveis, desde brigas ao lado dos poços nos vilarejos até disputas interestaduais pela água – por lá, a legislação sobre a água é estadual – não concorrente como a nossa.

As geleiras dos Himalaias, que cobrem aproximadamente 1.900 km e atravessam oito países, são a fonte de água potável, irrigação e energia hidroelétrica para cerca de 1,5 bilhão de pessoas – lembrando que o número envolve diretamente China e Índia. No chamado elefante contra o dragão, o êxodo rural é o maior desafio.

Ao visitarmos o Ministério da Agricultura da Índia, o ministro Suresh Reddy relatou a logística para garantir ao menos uma alimentação nutritiva/dia para mais de 800 milhões de indianos que dependem do sistema assistencial daquele governo. Isso inclui acesso à água potável. Relatou, ainda, o desafio de manter os indianos na área rural. Analistas populacionais projetam que até 2050, cerca de 60% dos indianos viverão em áreas urbanas, onde existe uma lacuna cada vez maior entre o suprimento e demanda de água doce. A crescente demanda por uso doméstico da água nos centros urbanos coloca imensa pressão sobre recursos cada vez menores.

A privatização da água se tornará um grande motivo de conflitos na maioria dos países do Sul Asiático, especialmente na Índia. A privatização envolve a transferência de propriedade de recursos hídricos do setor público ao setor privado. A primeira Política Nacional Hídrica, redigida em 1987 pelo governo indiano, estabeleceu: “Participação do setor privado deve ser encorajada no planejamento, desenvolvimento e gerenciamento de projetos de recursos hídricos para diversos usos, quando possível.” (National Water Policy. April, 2002). Isto é aplicado à geração hidroelétrica, suprimento industrial e doméstico de água e até irrigação. Em somente uma década, mais de 300 projetos com participação do setor privado foram comissionados. Os maiores ativos brasileiros estão relacionados a água: o Aquífero Alter do Chão e o Aquífero Guarani. Ambos projetam sustentar a necessidade atual dos brasileiros por mais 2.500 anos. O que nos parece distante, sim. Mas já causa atenção de exploração do mundo e, desespero de ausência no Sul da Ásia.

O Brasil tem a oportunidade de guiar o mundo na exploração deste recurso também finito e de iniciar, de uma vez por todas, o seu papel de país de futuro – não sendo o mais velho deles – ao investir em educação da população sobre a preservação e uso da água e na distribuição igualitária e justa, bem como, explorar este importante ativo de maneira consciente para desenvolvimento de arranjos locais, tais como às soluções apresentadas acima – tecnologia por água.

*Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro é advogado, especialista em Direito Legislativo e ex-procurador Geral da Câmara Municipal de Goiânia.

REFERÊNCIAS:

Crescimento da produção industrial goiana supera média nacional. https://goias.gov.br/crescimento-da-producao-industrial-goiana-supera-media-nacional/  . Acesso em: 24 fev. 2025.

Goiás é o quarto maior produtor de grãos do país – https://goias.gov.br/agricultura/goias-e-o-quarto-maior-produtor-de-graos-do-pais/ Acesso em: 24 fev. 2025.

J. Joy and SuhasParanjape, ‘Understanding Water Conflicts in South India,’ 14, available online as PDF at https://www.academia.edu/ Acesso em: 24 fev. 2025.

J. Joy and SuhasParanjape, ‘Understanding Water Conflicts in South India,’13. Available online as PDF at https://www.academia.edu/ Reference to K. J., et al (ed.), Water Conflicts in India: A Million Revolts in the Making (London, New York, New Delhi: Routledge,2007), 98-104. Acesso em: 24 fev. 2025.

J. Joy and SuhasParanjape, ‘Understanding Water Conflicts in South India,’ 16-17.

MakarantPurohit, Privatising India’s Water Is a Bad Idea. https://thewire.in/73597/water-privatisation/ . Acesso em: 24 fev. 2025.

National Water Policy (April 2002), available online at http://pib.nic.in/newsite/PrintRelease.aspx?relid=70832. Acesso em: 24 fev. 2025.

Several waste water projects have been pioneered all over the world, even India, by the International Ecological Engineering Society. See https://iees.ch/
Acesso em: 24 fev. 2025.

The Hindu, November 9, 2009, Updated December 17, 2016. See http://www.thehindu.com/news/national/ldquoHimalayan-glaciers-most-threatened-by-global-warmingrdquo/article16890969.ece# Prof V. Ramanathan is Director of the Centre for Clouds, Chemistry and Climate, Scripps Institution of Oceanography, San Diego, USA. Acesso em: 24 fev. 2025.