O autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), é classificado como uma deficiência para fins de acessibilidade e inclusão, com base na Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que estabelece os direitos das pessoas com deficiência.
1. O Autismo e sua classificação como deficiência
De acordo com a Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, o autismo é considerado uma deficiência para todos os efeitos legais. Isso inclui o acesso a vagas reservadas para pessoas com deficiência em concursos públicos.
Cientificamente, o autismo é caracterizado por déficits na comunicação social e comportamentos repetitivos e restritos, podendo variar de leve a grave. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) inclui o autismo como um transtorno do neurodesenvolvimento, sendo essencial a análise multidisciplinar para o diagnóstico.
Essa caracterização como deficiência foi reforçada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional (Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009).
Portanto, legalmente, o autista pode sim se enquadrar como pessoa com deficiência, tendo direito a concorrer às vagas reservadas e a solicitar adaptações razoáveis durante a realização das provas.
2. Direitos dos autistas em concursos públicos
Com a nova Lei 14.965/2024, sancionada neste ano, os direitos de acessibilidade e inclusão em concursos públicos foram reforçados.
O artigo 8º dessa lei traz a obrigatoriedade de proporcionar condições adequadas para candidatos com deficiência, o que inclui o direito de o autista solicitar:
• Sala especial ou ambiente controlado: Um dos desafios enfrentados por pessoas com autismo é a hipersensibilidade sensorial. Isso significa que ruídos como o apertar de canetas ou garrafas plásticas podem prejudicar gravemente sua concentração.
A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) estabelece que as instituições responsáveis pelos concursos devem garantir “adaptações razoáveis” para pessoas com deficiência, o que pode incluir uma sala isolada, sem distrações sonoras, para preservar o foco do candidato.
• Tempo adicional na prova: Outro direito importante é a concessão de tempo adicional. Candidatos com TEA frequentemente enfrentam dificuldades relacionadas à concentração, especialmente em ambientes com muitos estímulos.
A Lei Brasileira de Inclusão assegura esse direito, e o Decreto 3.298/1999, que regulamenta a Lei 7.853/1989, reforça a necessidade de garantir condições especiais para o desempenho adequado de candidatos com deficiência, o que inclui o tempo extra para compensar as limitações impostas pelo autismo.
3. A aplicação da isonomia aristotélica no contexto do autismo
O princípio da isonomia, consagrado na Constituição Federal (art. 5º, caput), exige que os iguais sejam tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida de suas desigualdades.
No caso do autista, garantir adaptações como sala especial e tempo adicional não fere a isonomia; pelo contrário, é uma aplicação da isonomia aristotélica, que visa proporcionar igualdade de oportunidades.
O tratamento diferenciado é necessário para que candidatos autistas possam competir em pé de igualdade com os demais, respeitando suas particularidades.
Ademais, o artigo 2º da Lei 12.764/2012 assegura às pessoas com autismo “o pleno exercício de seus direitos civis, políticos e sociais”, o que inclui o direito de disputar cargos públicos em condições justas e equitativas.
4. Documentação necessária para concorrer como PcD
Para que o autista possa usufruir dos direitos assegurados em concursos públicos, ele deve apresentar uma documentação que comprove sua condição de pessoa com deficiência. Essa documentação normalmente inclui:
• Laudo médico especializado: Deve ser emitido por um psiquiatra ou neurologista, confirmando o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, conforme critérios estabelecidos pelo DSM-5 ou CID-11.
• Relatório psicológico ou multidisciplinar: Este documento pode ser exigido para detalhar as limitações específicas do candidato, servindo de base para o pedido de adaptações razoáveis.
A documentação deve ser atualizada e estar conforme as exigências do edital do concurso, que geralmente estipula a forma e o prazo para a apresentação desses documentos.
5. A Inclusão do autista nas cotas de deficiência
A reserva de vagas para pessoas com deficiência é prevista pelo Decreto 9.508/2018, que regulamenta o artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal.
De acordo com o entendimento jurídico atual, o autista tem direito a concorrer às vagas reservadas para pessoas com deficiência, desde que sua condição seja comprovada.
A Lei 14.965/2024 também reforça a obrigatoriedade de que os editais incluam a reserva de vagas para pessoas com deficiência, conforme as políticas afirmativas vigentes.
6. Medidas jurídicas em caso de violação de direitos
Se o direito de um candidato autista for desrespeitado em um concurso público, o candidato pode e deve tomar medidas judiciais.
A primeira etapa é reunir toda a documentação comprobatória, como o edital do concurso, o laudo médico que ateste o autismo e os pedidos de adaptações ou reservas de vaga, caso tenham sido feitos.
Com esses documentos em mãos, o candidato pode buscar orientação de um advogado especializado em concursos públicos e acessibilidade.
O principal instrumento processual a ser utilizado é o mandado de segurança, um remédio constitucional que visa garantir direitos líquidos e certos, violados ou ameaçados por ato ilegal de autoridade pública.
A violação de direitos relacionados à reserva de vagas ou adaptações especiais, como sala isolada ou tempo adicional, pode ser corrigida via mandado de segurança, conforme previsto na Constituição Federal (art. 5º, LXIX).
O prazo para impetrar o mandado de segurança é de 120 dias a partir da ciência do ato que violou o direito. E ação ordinária é de 5 anos.
Além disso, o candidato pode ingressar com uma ação ordinária, solicitando não apenas a correção da ilegalidade, mas também indenização por eventuais danos morais, se houver prejuízos psicológicos ou emocionais devido à discriminação ou à negação de seus direitos.
Em situações mais urgentes, pode-se solicitar uma tutela de urgência para que o candidato não perca o direito de continuar no certame ou concorrer à vaga.
Por exemplo, se o concurso já está em andamento e o candidato autista não recebeu as adaptações necessárias, a tutela de urgência pode assegurar o direito imediato a tais adaptações.
Essas medidas processuais são fundamentais para garantir que a igualdade de condições seja respeitada, e o tratamento diferenciado previsto na lei seja implementado, não como privilégio, mas como mecanismo de isonomia.
Além disso, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que candidatos com autismo têm direito à inclusão nas vagas reservadas, desde que preencham os requisitos estabelecidos por lei.
7. Considerações finais
Diante da nova legislação e das interpretações jurídicas que têm consolidado os direitos dos autistas em concursos públicos, é possível afirmar que há uma evolução clara em direção à inclusão e acessibilidade.
O autista tem o direito de solicitar adaptações que garantam um ambiente de prova adequado às suas necessidades, sem que isso configure um privilégio indevido ou uma violação ao princípio da isonomia.
Ao contrário, essas medidas reforçam o compromisso do Estado com a equidade e com a promoção de um processo seletivo justo e inclusivo.
É imprescindível que os candidatos autistas e seus representantes legais conheçam esses direitos e se preparem adequadamente para solicitar as adaptações necessárias, sempre com base em laudos médicos e psicológicos que comprovem a necessidade das mesmas.
Isso não apenas assegura a plena participação do autista no certame, mas também fortalece a justiça social, um princípio fundamental na Administração Pública.