Sued Araújo Lima*
Tanto a prescrição quanto a decadência são mecanismos de defesa importantes que visam assegurar que os advogados não fiquem indefinidamente sujeitos ao poder sancionador da OAB.
No âmbito dos processos disciplinares, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994) prevê duas modalidades de prescrição: a quinquenal e a intercorrente.
Embora não haja previsão legal expressa sobre a decadência em representações disciplinares, o Conselho Federal da OAB desenvolveu uma jurisprudência sólida que reconhece essa possibilidade.
Portanto, para fins práticos, é essencial observar os pontos a seguir para identificar a ocorrência ou não de decadência e prescrição nos processos disciplinares da OAB.
Identificando a prescrição em processos disciplinares da OAB
A leitura do Art. 43 do Estatuto da OAB se torna essencial para identificar a ocorrência ou não da prescrição em representações disciplinares:
Art. 43. A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve em cinco anos, contados da data da constatação oficial do fato.
- 1º Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação.
- 2º A prescrição interrompe-se:
I – pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida feita diretamente ao representado;
II – pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da OAB.
Além do mais, para melhor compreensão do dispositivo acima, recomenda-se a leitura da Súmula 01/2011 da OAB (https://www.oab.org.br/Content/pdf/sumulas/sumula012011COP.pdf)
Pois bem, o início da contagem tanto para a prescrição quinquenal quanto para a prescrição intercorrente ocorre da mesma forma: a partir da data da constatação oficial do fato.
Nesse contexto, é fundamental destacar as orientações do Manual de Procedimentos do Processo Ético-Disciplinar da OAB sobre o que se entende por constatação oficial do fato:
Por constatação oficial dos fatos se considera a data em que a Ordem dos Advogados do Brasil toma conhecimento dos fatos supostamente praticados pelo advogado, seja por meio de representação, por remessa de documentos por autoridades públicas, ou ainda por declarações prestadas oralmente, reduzidas a termo. Nesse sentido, está a orientação da Súmula 01/2011-COP.
Além disso, é imprescindível considerar as peculiaridades de cada tipo de prescrição.
Da prescrição quinquenal
No que tange aos marcos interruptivos previstos no inciso I, §2º do Art. 43 do Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB), o Conselho Federal entende que a interrupção ocorre apenas uma única vez, devendo-se considerar apenas o primeiro marco constatado:
[…] Seguindo entendimento pacificado pelo Pleno da Segunda Câmara, no Recurso n. 49.0000.2017.005793-0/SCA, no sentido de que a interrupção do curso da prescrição da pretensão punitiva, ou prescrição quinquenal, nos termos do inciso I, do § 2º, do artigo 43 do Estatuto da Advocacia e da OAB, somente ocorrerá uma única vez, seja pela instauração do processo disciplinar, hipótese em que o processo é instaurado de ofício, ou pela notificação inicial válida, feita ao advogado, para apresentar defesa prévia ou qualquer outra manifestação nos autos, sendo considerado como marco interruptivo apenas aquele que verificar primeiro. […] (Brasília, 20 de setembro de 2022. Rafael Braude Canterji, Presidente em exercício. Cláudia Lopes Medeiros, Relatora. (DEOAB, a. 4, n. 949, 29.09.2022, p. 7).
Por fim, o inciso II, §2º do Art. 43 do Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB) prevê que qualquer decisão condenatória recorrível pode interromper a prescrição.
Portanto, a simples emissão de despachos ou pareceres preliminares não é suficiente para configurar esse marco interruptivo.
Da prescrição intercorrente
A prescrição intercorrente ocorre quando o processo permanece paralisado por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento.
A Súmula 01/2011 da OAB, que trata da prescrição dos processos éticos-disciplinares, em seu inciso III, estabelece que a prescrição intercorrente “[…] é interrompida e recomeça a fluir pelo mesmo prazo, a cada despacho de movimentação do processo.”
No que diz respeito aos marcos interruptivos da prescrição intercorrente, o Conselho Federal entende que a simples emissão de despachos de mero expediente não é suficiente para interromper o curso do prazo prescricional.
[…] 02) Quanto ao mérito, os precedentes deste Conselho Federal da OAB são pacíficos no sentido de que os despachos de mero expediente (atos meramente ordinatórios), como a redesignação de relator ou a redistribuição do processo disciplinar em razão da renovação do Conselho Seccional da OAB, não são considerados para fins de interrupção do curso do prazo prescricional intercorrente. (Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Paulo Cesar Salomão Filho, Relator). (DEOAB, a. 4, n. 948, 28.09.2022, p. 2).
Portanto, a prescrição intercorrente será constatada mesmo que, durante o processo, existam despachos, desde que estes sejam considerados atos meramente ordinatórios.
Da decadência
A decadência ocorre quando há a perda de um direito que não foi pleiteado dentro do prazo legal.
Maria Helena Diniz define o instituto como “a extinção do direito pelo seu titular, que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício” (DINIZ, Maria Helena. Manual de Direito Civil. São Paulo. 2020. 3ª ed. Saraiva, p. 79).
Como já mencionado, a decadência não possui previsão expressa na legislação que regulamenta os processos disciplinares no sistema OAB.
Contudo, o Conselho Federal da OAB possui entendimento pacificado quanto à aplicabilidade da decadência no sistema OAB:
Recurso n. 25.0000.2022.000132-3/SCA-TTU-Embargos de Declaração. Embargante: J.C.O. (Advogado: Alessandro de Oliveira Brecailo OAB/SP 157.529). Embargada: Giovanna Helena Abrão Ortioga. (Advogados: Otávio Araújo Gueiros Junior OAB/SP 318.317 e outros). Recorrente: J.C.O. (Advogados: Alessandro de Oliveira Brecailo OAB/SP 157.529, Cristiano Roberto Terra Guimarães OAB/SP 225.640 e Jeferson Camillo de Oliveira OAB/SP 102.678). Recorrida: Giovanna Helena Abrão Ortioga. (Advogados: Otávio Araújo Gueiros Junior OAB/SP 318.317 e outros). Interessado: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relatora: Conselheira Federal Sinya Simone Gurgel Juarez (AP). EMENTA N. 025/2024/SCA-TTU. Embargos de declaração. Inexistência de vícios na decisão embargada que justifiquem sua complementação e/ou aclaramento. Inovação de tese em sede de embargos de declaração. Decadência. Inexistência. A decadência é reconhecida pela jurisprudência deste Conselho Federal da OAB, considerando-se o prazo de 5 anos para a parte prejudicada representar disciplinarmente advogado ou advogada, tendo por marco inicial a data em que a parte tomou conhecimento dos fatos. Embargos de declaração rejeitados. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto da Relatora. Impedido de votar o Representante da OAB/São Paulo. Brasília, 27 de fevereiro de 2024. Daniel Blume, Presidente em exercício. Sinya Simone Gurgel Juarez, Relatora. (DEOAB, a. 6, n. 1308, 11.03.2024, p. 3).
Assim, dentro do prazo de 5 anos, caso a parte prejudicada, ciente dos fatos, não formule representação contra o advogado perante o Tribunal de Ética e Disciplina, a decadência estará configurada.
Espero que este artigo tenha ajudado os colegas advogados a compreenderem os institutos da prescrição e da decadência nos processos disciplinares do sistema OAB.
A compreensão e aplicação desses conceitos podem, inclusive, ser utilizadas como matéria de defesa em diversas situações, uma vez que os advogados não podem ser eternamente submetidos ao poder disciplinar da OAB.
*Sued Araújo Lima é graduado em Direito pela PUC/GO, sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.