Concursos e preterição: entenda os mecanismos utilizados pela administração para burlar a nomeação de aprovados

Os  concursos públicos, até o momento, são uma das formas mais tradicionais e respeitadas de ingresso no serviço público no Brasil previstas legalmente. Eles são regidos por princípios constitucionais como a impessoalidade, publicidade e eficiência. No entanto, nos últimos anos, uma prática tem gerado muita discussão: a preterição dos candidatos aprovados, principalmente os que estão em cadastro de reserva, quando ocorrem casos de contratações temporárias, terceirizações e outras formas administrativas de preenchimento de vagas por parte do Ente Público. Portanto, neste texto, será abordado o que é preterição, quais são os direitos dos candidatos, e como a legislação e a jurisprudência vêm mudando, afetando diretamente o futuro dos concursos públicos no país.

O que é preterição? 

A Preterição ocorre quando candidatos aprovados em concursos públicos fora das vagas inicialmente previstas no Edital de Abertura do certame, que estão no cadastro de reserva ou são excedentes, não são chamados para assumir vagas que deveriam ser preenchidas por eles. Em vez disso, a Administração Pública opta por contratar temporários, terceirizar serviços ou utilizar outros mecanismos administrativos para suprir suas necessidades de pessoal, mesmo como concurso em vigência e com candidatos à disposição para serem chamados, ainda que estejam no cadastro de reserva. Esse tipo de prática tem levantado muitos questionamentos sobre sua legalidade e constitucionalidade.

Contratação Temporária pela Administração Pública 

A contratação temporária é permitida pela Constituição Federal, desde que ocorra em situações excepcionais de necessidade temporária de interesse público. No entanto, muitos se questionam se essas contratações não estariam sendo usadas indevidamente para evitar a nomeação de candidatos aprovados em concursos, e se tais casos a contratação acaba ocorrendo para atender uma necessidade permanente e não de fato temporária.

A principal questão é até que ponto a administração pode usar dessa prerrogativa sem preterir os direitos dos candidatos aprovados, mesmo que estejam no cadastro de reserva, e ainda que sejam candidatos de concurso que tenham apenas expectativa de direito. Muitas vezes, a justificativa de necessidade temporária é usada de forma ampla, sem comprovação adequada, o que gera insegurança jurídica e frustração entre os concursados.

Terceirização através de organizações sociais 

As Organizações Sociais (OSs) têm sido uma alternativa crescente para a Administração Pública na prestação de serviços, especialmente nas áreas de saúde e educação. No entanto, a contratação de pessoal através das OSs tem gerado controvérsias.

As Organizações Sociais são regulamentadas pela Lei n° 9.637/1998, que permite a qualificação de entidades privadas sem fins lucrativos como Organizações Sociais para a gestão de serviços públicos. A ideia central é promover uma parceria entre o poder público e a iniciativa privada para a prestação de serviços de forma mais eficiente e com menor custo.

No entanto, a contratação de pessoal por meio das OSs levanta questões jurídicas importantes. A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 37, II, que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público. Quando as OSs contratam pessoal sem concurso, há um potencial conflito com esse dispositivo constitucional. A principal crítica é que essa prática pode configurar um desvio de finalidade, uma vez que o concurso público é a forma mais impessoal e meritocrática de seleção de servidores.

É importante destacar que diversas decisões judiciais têm questionado a legalidade dessas contratações, afirmando que elas violam os direitos dos candidatos aprovados em concursos públicos. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido chamado a se pronunciar sobre casos específicos, buscando um equilíbrio entre a necessidade de eficiência administrativa e o respeito aos princípios constitucionais.

Terceirização através de empresas licitadas 

A terceirização de serviços por empresas licitadas é outra prática comum. No entanto, ela também levanta questões sobre a eficiência e economicidade da Administração Pública.

A terceirização na administração pública é regulamentada pela Lei n° 8.666/1993 (Lei de Licitações) e pela Lei n° 13.303/2016 (Lei das Estatais), além da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n° 13.467/2017) que ampliou as possibilidades de terceirização. A administração pública pode contratar empresas para prestar serviços por meio de processos licitatórios, que visam garantir a competitividade, a isonomia e a transparência.

A terceirização deve respeitar o princípio da eficiência, buscando a melhor relação custo-benefício para a administração pública. No entanto, a prática pode ser vista como uma forma de evitar a realização de concursos públicos, prejudicando os candidatos aprovados. Ela também pode ser interpretada como uma concorrência desleal para os candidatos que passaram por um rigoroso processo de seleção. Os trabalhadores terceirizados, contratados sem concurso, muitas vezes ocupam funções que poderiam ser desempenhadas pelos concursados.

Preenchimento de quadros de pessoal por cessão e outras formas administrativas

A cessão de servidores entre órgãos, transferências e comissionamentos são mecanismos administrativos utilizados para suprir necessidades de pessoal na administração pública. Embora essas práticas sejam legais, elas podem impactar negativamente os concursos públicos, especialmente quando há candidatos aprovados aguardando nomeação. É essencial entender a base legal e jurídica dessas práticas e suas implicações para garantir que não ocorra a preterição dos candidatos concursados.

Cessão de servidores 

Cessão de servidores é um instituto previsto na legislação brasileira, onde um servidor público é temporariamente transferido de um órgão ou entidade de origem para outro órgão ou entidade, mantendo seu vínculo com o órgão de origem. Essa prática é regulada pela Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Base legal: 

  • Lei nº 8.112/1990: Dispõe sobre a cessão de servidores no âmbito federal. De acordo com o artigo 93, a cessão pode ocorrer para exercício de cargo em comissão ou função de confiança em outro órgão ou entidade, ou para atender situações previstas em leis específicas.
  • Decreto nº 835/2021: Regulamenta a cessão e requisição de pessoal no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Implicações jurídicas: 

  • Necessidade Temporária: A cessão deve atender a uma necessidade temporária e específica, justificando a não nomeação de candidatos
  • Transparência: É crucial que a cessão seja realizada com transparência, publicando os motivos e a duração da cessão para evitar suspeitas de preterição dos candidatos.

Transferências 

Transferência de servidores é o ato administrativo que envolve a movimentação de servidores efetivos de um órgão ou entidade para outro, de forma permanente, diferindo da cessão que é temporária. As transferências são regulamentadas por legislações específicas de cada ente federativo, como a Lei nº 8.112/1990 para servidores federais.

Base legal: 

  • Lei nº 8.112/1990: Prevê a possibilidade de transferência de servidores no âmbito federal, desde que atendidos os critérios estabelecidos em regulamento.

Implicações jurídicas: 

  • Critérios Objetivos: A transferência deve observar critérios objetivos e claros, evitando práticas que possam configurar preterição.
  • Conveniência Administrativa: A transferência deve ser baseada na conveniência administrativa e não pode ser usada como subterfúgio para evitar a nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos.

Comissionamentos 

Comissionamento refere-se à nomeação de servidores para cargos em comissão, que são de livre nomeação e exoneração, destinados a funções de direção, chefia e assessoramento. Esses cargos são regulamentados pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação específica de cada ente federativo.

Base legal: 

  • Constituição Federal de 1988: Artigo 37, inciso V, dispõe sobre os cargos em comissão e funções de confiança, destacando que a ocupação desses cargos deve ser preferencialmente por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei.
  • Lei nº 8.112/1990: Regula a nomeação e exoneração de servidores para cargos em comissão no âmbito federal.

Implicações jurídicas: 

  • Princípio da Eficiência: A nomeação para cargos em comissão deve respeitar o princípio da eficiência, buscando a melhor gestão administrativa.
  • Transparência e Mérito: É essencial que a ocupação desses cargos seja transparente e baseada no mérito, evitando que a nomeação para cargos em comissão seja usada como subterfúgio para não nomear candidatos aprovados.

Outras formas administrativas 

Além da cessão, transferência e comissionamento, a administração pública pode utilizar outras formas administrativas para suprir suas necessidades de pessoal. Entre essas práticas estão as nomeações temporárias e contratações por tempo determinado, previstas em legislações específicas.

Base Legal: 

  • Constituição Federal de 1988: Artigo 37, inciso IX, prevê a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
  • Lei nº 745/1993: Dispõe sobre a contratação por tempo determinado no âmbito da administração pública federal.

Implicações jurídicas: 

  • Excepcionalidade: A contratação por tempo determinado deve ser uma medida excepcional, não podendo se tornar regra para evitar a nomeação de
  • Justificação da Necessidade: A administração deve justificar claramente a necessidade temporária que impede a nomeação de candidatos aprovados, garantindo a transparência e a legalidade das contratações.

A cessão, transferência, comissionamento e outras formas administrativas são instrumentos legais para a movimentação e contratação de pessoal na administração pública. No entanto, é essencial que essas práticas sejam utilizadas de forma transparente, eficiente e justa, respeitando os princípios constitucionais e os direitos dos candidatos aprovados em concursos públicos. A preterição dos candidatos não pode ser uma consequência dessas práticas, e é fundamental que os órgãos de controle e os concurseiros estejam atentos para garantir que a Administração cumpra seu papel de forma ética e legal.

Direito à nomeação 

Uma questão central é o direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados. A jurisprudência tem evoluído no sentido de reconhecer que, quando há vagas disponíveis e candidatos aprovados dentro do número de vagas, estes têm direito à nomeação.

No entanto, a situação é mais complexa para os candidatos que estão em cadastro de reserva. A nomeação desses candidatos depende da conveniência e oportunidade da administração pública, o que gera incerteza e insatisfação. É crucial que os candidatos estejam cientes de seus direitos e busquem meios legais para garanti-los.

Transparência e publicidade 

A transparência na divulgação das vagas e contratações temporárias ou terceirizadas é fundamental para a justiça nos concursos públicos.

Os candidatos têm o direito de saber quantas vagas estão disponíveis, como elas estão sendo preenchidas e quais são os critérios para essas contratações. A falta de transparência mina a confiança no sistema de concursos públicos e pode levar a preterições injustas.

Controle e fiscalização 

Os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, têm um papel fundamental na fiscalização das contratações públicas.

É importante que esses órgãos atuem de forma rigorosa para garantir que a Administração Pública cumpra os princípios constitucionais e respeite os direitos dos candidatos aprovados em concursos. Denúncias de preterição devem ser investigadas e, se comprovadas, medidas corretivas devem ser adotadas.

Conclusão 

A preterição em concursos públicos é uma prática que viola os direitos dos candidatos aprovados e compromete a eficiência e a justiça no âmbito da Administração Pública nos Concursos Públicos.

Com as mudanças na legislação e as tendências jurisprudenciais, é essencial que os candidatos estejam bem informados e preparados para lutar por seus direitos. O futuro dos concursos públicos depende de uma administração pública transparente, eficiente e justa, que respeite os princípios constitucionais e valorize o mérito dos candidatos aprovados.

Os candidatos devem se unir, buscar apoio jurídico e denunciar irregularidades para garantir que suas conquistas sejam respeitadas. Somente assim poderemos preservar a integridade dos concursos públicos e assegurar que eles continuem sendo uma forma justa e meritocrática de ingresso no serviço público.