TRT-GO julga favorável rescisão indireta com base no protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ

Roberto Menezes de Lima*

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT18) julgou favorável rescisão indireta com base no protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça.

Esta decisão tem uma importante relevância social, pois, não estamos diante de uma aventura jurídica, mas de um caso onde uma empresa intentava forçar um pedido de demissão, realizando alterações unilaterais e lesivas no contrato de trabalho, mudando o local de trabalho e o horário de início e fim da jornada de sua trabalhadora.

Ações assim são muito difíceis de obter êxito, e para uma trabalhadora provar prejuízo(s) com tais mudanças as vezes é quase impossível, entretanto, no presente caso foi comprovado que as mudanças de local e horários impediriam que a trabalhadora deixasse e buscasse os seus filhos no CMEI. Faz parte do acervo probatório declarações junto ao CMEI, que comprovou que os filhos possuíam uma frequência de 100% e o deslocamento/rota impossível de ser executada.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero CNJ (instituído pela Portaria CNJ nº 27/2021), possui diversas diretrizes e reflexões, dentre elas:

“A desigual distribuição das tarefas de cuidado gera um círculo vicioso de perpetuação das mulheres de baixa renda em postos de trabalho precarizados e sub-remunerados. Na outra ponta, as mulheres que conseguem ascender profissionalmente acabam se submetendo aos “padrões masculinos” do mercado de trabalho, o que, não raras vezes, significa abrir mão da maternidade e de escolhas pessoais. A mulher que “ousa” conciliar todas as suas atribuições se depara com a “escassez do tempo” diante desta multiplicidade de responsabilidades que “naturalmente” lhe são delegadas, para as quais a constitucionalização do princípio da igualdade e dos direitos sociais não foi suficiente para superar.”

(…) 

“Um olhar sob a perspectiva de gênero para estas situações, quando trazidas ao Judiciário, permite a transposição de barreiras invisíveis criadas pela suposta neutralidade da norma, especialmente num mercado de trabalho que até hoje reluta em garantir a simetria em matéria de gênero.”

(…) 

“Dentro deste arranjo sexista da relação empregatícia, atitudes como mudança de horário ou local de trabalho no período de gestação e lactação são vistas como naturais e decorrentes do poder empregatício legitimado pelo art. 2º da CLT, quando, na verdade, escondem práticas nitidamente discriminatórias no sentido de afastar ou inviabilizar que estas mulheres exerçam ou permaneçam nas suas funções.” 

“As situações relatadas são apenas exemplificativas de práticas discriminatórias que permeiam as relações de trabalho, não limitativas aos vínculos formais dos contratos empregatícios, e que, quando analisadas sob a perspectiva de gênero, ganham múltiplos contornos diante do ambiente sexista, patriarcal e racial que ainda persiste na seara laboral.”

E ainda, o julgador observou que a administradora não justificou o motivo do remanejamento, não podendo o direito do empregador em alterar o local de trabalho colidir com as normas de proteção à criança. O magistrado ponderou que quem vai se deslocar em horário comercial em Goiânia precisa considerar a distância, o que inclui levar e buscar crianças na escola, principalmente se isso é feito em transporte coletivo.

Por fim, apesar de caminharmos muito, ainda existem desigualdades no ambiente de trabalho para homens e mulheres, e não raras vezes, o mercado de trabalho leva trabalhadoras a dolorosa propensão em abrir mão da maternidade e de escolhas pessoais. Para que isso não ocorra, que continuemos avançando em debates sobre o tema.

*Roberto Menezes de Lima é advogado há mais de 10 anos, atuando para empresas públicas e privadas, membro efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Imobiliário e Militar da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho e Direito Imobiliário e Notarial.