Marco Túlio Elias Alves*
Em 2020, tivemos o registro do início de uma crise sanitária terrível que resultou na morte de mais de 680 mil pessoas no país. É indelicado dizer, mas a morte fomenta um mercado de inventários, pensões e seguros, de fazer inveja a diversos setores.
Mais de 219 mil escrituras de inventário foram assinadas no Brasil em 2021, segundo dados divulgados pelo Colégio Notarial do Brasil. Esse número foi superior a 156 mil em 2020, primeiro ano do surto do vírus, subindo em torno de 40%. Entre 2007 e 2020, desde a possibilidade de se fazer inventários em cartório, os números foram crescendo ano após ano.
Mas quando se pega a média desses anos e comparamos com os números de 2021, os cartórios fizeram 88,7% mais inventários. Um número impressionante.
Os Inventários extrajudiciais foram feitos como uma alternativa mais barata e rápida ao processo judicial, quando preencheram alguns requisitos, que não são o objeto desse estudo. Entretanto, uma noção básica das exigências é necessária à compreensão do conteúdo que aqui se apresenta.
E ao final, a pretensão é mostrar como a Resolução 452/2022 do CNJ pode tornar o procedimento de inventário extrajudicial ainda mais simples, especialmente para aqueles herdeiros que não dispõem de muitos recursos financeiros para pagamento das taxas, encargos, emolumentos e honorários.
Conceitos elementares para entender este texto
A primeira coisa que precisamos estabelecer é que com a morte, a herança se transmite de forma automáticas aos herdeiros. Isso é o que estabelece o art. 1.784 do Código Civil[1]. E parece uma contradição afirmar que a transmissão é automática e que é necessário o inventário. Quero antecipar que apesar da aparência distorcida, não há confusão.
De fato, a herança se transfere de forma automática em forma de um conjunto indivisível. O procedimento de inventário em todas as suas modalidades, pretende determinar quem faleceu, quais direitos e obrigações ele deixou, quais são seus herdeiros e quanto cabe a cada um. É um procedimento de apuração, individualização e distribuição.
E não é tão simples quanto se pensa.
É preciso determinar se o falecido era casado, se era, sob qual regime de bens, quais os filhos reconhecidos e os que precisam de reconhecimento, quais os bens, desembaraçados ou não, quais as dívidas e obrigações assumidas, se existe testamento, determinar se bens receberam destino ilegítimo antes ou depois da morte, e por fim, o que compete a cada um dos herdeiros com relação às despesas, direitos e deveres.
Então já temos dois conceitos já bem estabelecidos: o primeiro é que a herança se transmite de forma automática, de forma indivisível, e o inventário se faz necessário para a identificar o falecido, os herdeiros, os bens e obrigações.
Outro conceito que precisamos tratar é a questão quanto a modalidade do inventário. Ele pode ser judicial ou extrajudicial a depender das circunstâncias. E como dito anteriormente, não é objetivo do trabalho esgotar o tema, mas sim te mostrar de forma superficial o conceito para compreender melhor o texto.
Nesse contexto, digo que em regra, é possível encontrar de forma positiva o que é necessário para fazer o inventário extrajudicial, que nos interessa aqui nesse trabalho, na Resolução 35/2007 do CNJ, que surgiu para dar vida à Lei 11.441/2007, onde, em síntese, exige que os herdeiros sejam maiores e capazes, exista consenso com relação a quem são os herdeiros, quais os bens, dívidas e quanto a divisão, que não exista testamento, que seja assistido por advogado ou advogada e lavrado em escritura pública por tabelião.
E como uma Resolução do CNJ pode tornar o inventário mais simples e barato?
Estamos falando aqui da Resolução 452/2022 do Conselho Nacional de Justiça, publicada em abril, e trouxe uma “inovação”. Coloco a palavra entre aspas, pois a regra administrativa trouxe uma solução que já era usada por mim e pelos advogados que trabalham comigo anos antes.
Mas não fica intrigado e nem intrigada, que já vou explicar.
A Resolução 452/2022 alterou a Resolução 35/2007, que como já dito antes, veio a ser aprovada com o advento da Lei 11.441/2007. Veja que interessante a redação que passou a ter vigências:
Art. 11…
- 1o O meeiro e os herdeiros poderão, em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação, nomear inventariante.
- 2o O inventariante nomeado nos termos do §1o poderá representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.
- 3o A nomeação de inventariante será considerada o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial.
Em síntese temos dois instrumentos que geram economia presentes no texto da Resolução 452/2022. Um deles, é quanto a possibilidade de nomear-se inventariante por escritura pública, antes de tudo, com poderes de fazer buscas, diligências e até levantamentos de quantias em contas do falecido com o objetivo de se pagar o imposto e emolumentos.
Nesse ponto, os herdeiros só precisam se preocupar com honorários de advogado, que infelizmente não foram contemplados no texto da Resolução, e o próprio espólio paga as despesas do inventário com relação ao cartório e fisco.
O segundo ponto, que também gera economia, é o fato do §3º do art. 11 mencionar que a nomeação do inventariante será considerada, para todos os fins, o início do processo de inventário, ou termo inicial do procedimento. Isso implica que a simples escritura de nomeação, se feita no prazo legal para abertura do inventário, já afasta as eventuais multas.
Posso nomear inventariante no prazo de abertura do inventário, com custos muito reduzidos, interromper as multas, e fazer uma busca com calma de valores ou recursos que sejam do falecido, para que esses mesmos recursos sejam usados para o pagamento dos emolumentos e impostos.
E quais as vantagens?
O primeiro ponto que preciso deixar claro é que vejo com bons olhos a mudança. Antes da Resolução 452/2022, quando os herdeiros não tinham recursos para fazer o inventário, eles eram forçados a endividar-se com empréstimos, contratar advogado para pedir ao juiz autorização de venda ou levantamento de bens do espólio, ou deixar para depois e pagar pesados encargos ao fisco, por não dar início ao procedimento em tempo hábil.
De certa forma, agora os herdeiros não têm razão para esperar. A escritura de nomeação do inventariante não tem alto custo, já que não há, de forma direta, valor econômico. Então esse primeiro passo pode ser dado tão logo os documentos sejam reunidos, no prazo de abertura do inventário.
Feito isso, o inventariante irá ter acesso aos dados e informações bancárias, inclusive aplicações, com o objetivo de levantar recursos para custear os impostos e emolumentos do procedimento. Não há mais aqui necessidade de esperar, incidindo em multas, e nem tampouco necessidade de os herdeiros contraírem empréstimos com juros altos, com o objetivo de evitar as penalidades fiscais.
Consigo valorar a economia?
A Resolução 452/2022 é recente e ainda é cedo para falarmos de números. Entretanto, a projeção é espetacular. Estima-se, usando uma técnica com métricas de valuation, que a economia, dependendo das circunstâncias, pode ser superior a 14,7% para inventários de até R$300 mil e algo em torno de 38,1% para inventários com valor superiores a R$1 milhão.
Vale ressaltar que a multa do fisco é de 10% e dependendo da quantidade de recursos que fossem levantados antecipadamente para adimplir as obrigações do inventário, os procedimentos judiciais preparatórios, com o objetivo de ter liquidez, poderiam por si só consumir entre 4 e 30% do valor dos ativos cuja venda se pretendia.
Quem pode ser inventariante para fins de aplicação da Resolução 452/2022?
A nomeação do inventariante no procedimento administrativo criado pela Lei 11.441/2007 é feita através de escritura pública pelos herdeiros, desde que sejam todos maiores e capazes.
O Código Civil até estabelece uma ordem de prioridades ao encargo, trazendo regras para que um juiz decida quem vai ser nomeado, mas em minha opinião, no caso da Resolução 452/2022, o rito exige consenso, e se torna desnecessário uma regra específica, deixando aos herdeiros, de comum acordo, decidirem quem assume a responsabilidade.
E nesse contexto, salvo melhor juízo, pode ser inventariante qualquer um dos herdeiros e sucessores como também qualquer pessoa maior e capaz que tenha a confiança dos interessados. Pode ser um gestor profissional, um advogado, um contador e até mesmo um parente distante, que não tenha interesse direto no resultado do inventário.
Vale ressaltar que a administração do espólio por inventariante externo, que não seja herdeiro ou beneficiário da herança, pode resultar em maiores gastos, já que merecem uma recompensa pelo trabalho.
Como funciona na prática?
O início do processo extrajudicial para nomeação do inventariante é simples, e na sua essência, parecido com o procedimento de inventário. Entretanto, nessa fase, não existe preocupação com os bens, as certidões de ônus e propriedade, avaliações e impostos, que ficam para outro momento.
Para colocar tudo de forma descomplicada, para que até o leitor menos esclarecido possa compreender, os passos para nomeação consistem em três pequenas etapas, das quais pretendo trazer uma síntese: a) encontrar o advogado adequado; b) reunir os documentos para elaboração da minuta e; c) assinar a escritura pública de nomeação do inventariante.
A primeira etapa é a de buscar o advogado adequado ao seu caso. Sendo o inventário amistoso, ou seja, sem disputas entre os herdeiros, é bem fácil encontrar um profissional qualificado para guiar todo o procedimento. Recomendo que verifique as credenciais profissionais dele junto ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, através do site cna.oab.org.br e as avaliações feitas por outros clientes na internet.
Não queremos contratar um advogado que não esteja regular e nem um que tenha causado insatisfação a uma legião de clientes. Gosto de pensar no advogado como um solucionador de problemas e não como instrumento para fomentar novas complicações num momento tão delicado como na abertura de um inventário.
Pelos prazos legais, quando é preciso falar em sucessão, o luto ainda é muito recente e o advogado deve ser sensível para entender o momento delicado em que passam seus clientes.
A segunda etapa consiste na separação de documentos para realização do procedimento. E é supersimples! Vamos precisar de documentos pessoais de todos os herdeiros e cônjuges, inclusive a certidão de nascimento ou casamento, documentos pessoais do companheiro ou companheira, que comprovem o endereço e a certidão de óbito.
Cada advogado tem sua própria estratégia e metodologia de trabalho. Eu particularmente gosto de pedir os documentos digitalizados em formato PDF e recomento aos meus clientes que levem os originais para conferência pelo cartorário, no dia da assinatura da escritura. Alguns advogados gostam de pedir as cópias autenticadas.
E aqui existe uma pegadinha. Todas as certidões, de nascimento, casamento ou óbito precisam ser contemporâneas, emitidas após o óbito e no máximo a noventa dias. E precisam ser já no modelo novo, padronizado e informatizado.
Após a reunião de todos os documentos, o advogado irá gerar uma procuração, particular, que pode ser assinada tanto de forma física como também eletrônica, para ter um instrumento que comprove ao cartório que ele foi o profissional escolhido pelos herdeiros para assisti-los ao ato e irá providenciar a minuta do requerimento.
A minuta é o documento formal, onde o advogado demonstra ao cartorário o que pretendem os herdeiros e sob qual argumento é autorizada essa pretensão. Nesse caso em particular, de nomeação do inventariante, ele deve demonstrar que houve um falecimento e que o morto deixou herdeiros, que todos os sucessores são maiores e capazes, que estão todos de ajustados com a escolha do inventariante, fundamentando o pedido com regras da Lei 11.447/2007 e da Resolução 452/2022 que alterou a Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, requerendo ao final que seja lavrada uma escritura pública para nomeação de inventariante.
Passamos então à terceira etapa. O tabelião, conferindo os documentos e entendendo que o pedido tem mérito e preenche os requisitos legais, irá confeccionar a escritura pública de nomeação de inventariante, que deve ser conferida pelo advogado e sucessores antes da assinatura.
Uma vez assinada a escritura, temos o inventariante com poderes para fazer o levantamento de bens e direitos em nome do falecido junto às instituições bancárias, com o objetivo de pagar pelas despesas da sucessão.
Quando usar a Resolução 452/2022?
A nomeação de inventariante no início do procedimento extrajudicial, nos termos do art. 11, §1º da Resolução 35/2007, com a redação dada pela Resolução 452/2022, não é obrigatória. Isso quer dizer que os herdeiros maiores e capazes podem nomear o inventariante já no ato da escritura de inventário.
Sendo uma faculdade dos envolvidos, nomear o inventariante antecipadamente ou no momento da lavratura da escritura, o profissional advogado que assiste o ato deve ficar atento a três questões simples para recomendar aos clientes pela escolha do procedimento.
A primeira questão envolve se os herdeiros não têm recursos ou não querem gastar recursos próprios para fazer o inventário. Nesse caso use a Resolução 452/2022. A segunda, trata se existem dúvidas acerca da existência de bens ou recursos aplicados em instituições financeiras, nomeie o inventariante para investigar. E por fim, a última questão, diz respeito ao prazo. Se não conseguiu reunir todos os documentos para dar início ao inventário, use o §3º do art. 11 da Resolução 35/2007 e evite a multa do fisco.
E te dou um conselho adicional gratuito. Se tiver dúvidas se deve ou não aplicar a Resolução 452/2022, nomeie o inventariante antecipadamente. O custo é baixo, te permite vasculhar as informações financeiras do falecido, o levantamento de valores e ainda impede a cobrança de multas.
Espero que minhas pequenas reflexões sobre o procedimento de nomeação de inventariante pela regra da Resolução 452/2022 do Conselho Nacional de Justiça te ajude em seu inventário extrajudicial.
*Marco Túlio Elias Alves é advogado.
Referência
[1] Código Civil. Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.