Homossexuais têm mesmos direitos que heterossexuais em caso de adoção

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O analista tributário Edilson Gonçalves Gondra é pai adotivo de dois meninos: Paulo Victor e Caique. O início dessa história pode parecer semelhante ao enredo de muitas outras, mas há um diferencial: Edilson é homossexual. Ele e seu companheiro estão juntos há dez anos e desde o início do relacionamento externaram a vontade de constituir uma família. E o fato de ter conseguido não significa que foi fácil. As dificuldades também não se resumem ao conturbado processo de adoção.

“A descoberta da sexualidade em minha vida foi bastante conturbada, pois as gerações anteriores sempre tiveram bastante repulsa ao tema, tratando o assunto como algo anormal. Nasci em 1968 e no auge da minha adolescência (anos 80) passei por um longo processo de busca pela identidade, sempre tentando aniquilar os desejos que sentia por pessoas do mesmo sexo. Na escola passei por dificuldades por causa do preconceito dos colegas de sala de aula. No ambiente de trabalho não foi muito diferente, mas nunca me deixei abater pelos comentários maldosos e segui em frente”, conta.

Caique foi adotado primeiro. O fato ocorreu por meio da “busca ativa”, que consiste na procura por adotantes prévia e regularmente habilitados para crianças e adolescentes denominados “de difícil colocação”. Trata-se de grupos de irmãos que não devam ser separados, crianças acima de cinco anos de idade e crianças com algum tipo de deficiência física ou mental.

Já Paulo Vítor, foi adotado por meio do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), banco de dados criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para ajudar juízes das Varas de Infância e Juventude no cruzamento dos dados entre os interessados em adotar e as crianças aptas a serem adotadas em todo o Brasil. Segundo relatório do CNA, atualmente há 34.147 pretendentes a pais e mães e 6.110 crianças disponíveis para adoção.

Apesar de o número de interessados em adotar ser maior que o de crianças disponíveis para adoção, Edilson conta que seu ingresso no CNA não foi nada fácil. Em parecer emitido pela promotora de Justiça Anik Rebello Assed Machado, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro mostrou-se contrário a seu ingresso no Cadastro. “Compulsando os autos, verifica-se que a presente demanda é proposta por dois homens, que pretendem, por meio deste feito, habilitar-se conjuntamente para posterior adoção, obtendo, por este meio, permissão para pleitear, futuramente, a paternidade da mesma criança. Todavia, não há previsão no ordenamento jurídico que autorize o registro de dupla paternidade ou paternidade conjunta da mesma criança”, diz o documento.

E continua: “Como se sabe, o instituto da adoção, tal como formatado pelo legislador, imita a vida, que, no caso de filiação, resulta da condição biológica na qual uma pessoa é indiscutivelmente gerada por uma mulher e um homem inseridos na condição de mãe e pai respectivamente. Logo, não é possível que o referido instituto seja utilizado para atribuir duas ou mais maternidades ou paternidades a uma única pessoa. Ante o exposto, o órgão ministerial requer seja indeferida a habilitação conjunta para adoção dos requerentes”.

Edilson caracteriza o parecer do MPE/RJ como de “um pensamento de cunho religioso que nos agrediu profundamente”. Ele destaca que para conseguir se habilitar no CNA precisou recorrer à imprensa, à Ordem dos Advogados do Brasil, e divulgar o parecer contrário nos diversos segmentos da sociedade envolvidos com a temática LGBT e adoção. O esforço de Edilson não foi em vão. Ele e seu companheiro conseguiram adotar o jovem Paulo Vítor.

Justiça Federal 

Mas a luta não acabou aí. Paulo Vítor já havia sido adotado por outra família anteriormente. No entanto, acabou sendo devolvido, o que trouxe sequelas para sua socialização. Por essa razão, Edilson solicitou administrativamente à Receita Federal, órgão onde trabalha, a concessão de licença-adotante de 120 dias, mesmo prazo concedido a título de licença-maternidade pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O pedido foi negado ao fundamento de que, “por se tratar da adoção de criança com mais de um ano de idade, ele teria direito à licença-adotante de 30 dias, prorrogáveis por 15 dias”.

Edilson, então, recorreu à Justiça Federal requerendo a equiparação da licença-adotante à licença-maternidade com prazo de 120 dias, prorrogáveis por 60 dias. Na ação, a advogada Vanessa Soares da Silva sustentou que atualmente há no serviço público uma norma interna editada em 2014 (Nota Técnica 150/2014 – MPOG) que estende esse direito ao servidor do sexo masculino. “Essa norma é bem recente, e um detalhe precisa ficar claro: trata-se de uma sugestão de aplicação ao caso concreto. Não quer dizer que a administração pública esteja vinculada ao dispositivo”, explicou.

No entanto, segundo a advogada, a norma poderia ser aplicada à hipótese, já que “se trata de uma criança que sofreu devolução, com histórico escolar bem complicado de agressões aos colegas. O caso exige que a criança tenha acompanhamento por mais tempo. E quem melhor para acompanhá-la do que o próprio pai?”.

A União, em sua defesa, alegou falta de interesse de agir em razão da concessão da licença-adotante à parte autora por 30 dias prorrogáveis por mais 15 dias. Defendeu também a incompetência absoluta dos Juizados para anulação ou cancelamento de ato administrativo federal.

Entretanto, ao analisar a questão, o juiz federal substituto da 25ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Antônio Felipe de Amorim Cadete, deu razão a Edilson. “A entidade familiar, antes estabelecida numa relação heteroafetiva, vem se estendendo a partir da possibilidade de união estável homoafetiva civilmente registrada. Com isso, direitos familiares que antes eram exclusivos ao homem ou à mulher estão sendo revistos, sobretudo quando se trata de guarda de menores”, fundamentou o magistrado.

O juiz destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu inconstitucional a discriminação legal de pessoas em função de sua orientação sexual. “O Egrégio Tribunal ressaltou que os direitos e garantias listados no art. 5º da Constituição Federal não excluem outros que nela não constem. Na apreciação da ADPF 132, restou concluído que a Lei não poderá fixar relações jurídicas hierárquicas entre homem e mulher dentro do núcleo familiar e destaca a inexistência do direito individual do homoafetivo em decorrência da sua não equiparação jurídica ao indivíduo heteroafetivo”, citou.

O magistrado também ressaltou na sentença que a Nota Técnica 150/2014 – MPOG, citada por Edilson na ação movida contra a União, concluiu pela necessidade da extensão ao servidor adotante, independentemente do sexo, o benefício da licença concedida no artigo 210, da Lei 8.112/1990. “Importante destacar que o benefício em questão não favorece apenas aos adotantes. De relevante valia para o processo de adaptação do adotado ao novo lar e ao ambiente familiar, há que se afastarem quaisquer embaraços jurídicos sob pena de prejuízo à criança e à entidade familiar”, afirmou.

O juiz federal Antônio Cadete concluiu: “Ante o exposto, julgo procedente o pedido, com fulcro no artigo 269, I, do CPC, para determinar a extensão do benefício da licença à adotante, anteriormente concedido à parte autora, para que alcance o mesmo prazo da licença à gestante com o acréscimo de 60 dias previsto no art. 2º da Lei 11.770/2008, totalizando 180 dias, descontando-se as licenças concedidas administrativamente”.

Edilson Gondra comemorou a decisão. “Que nosso caso possa servir de exemplo para outros que passam ou passarão por situações semelhantes. A licença-adotante tem, na verdade, como propósito atender o menor, que normalmente sai dos abrigos com carências enormes e que necessita de atenção especial, como ocorreu com nosso filho, Paulo Vítor, que passou por várias dificuldades no processo de socialização”.

Barreiras

O entendimento adotado pela Justiça Federal nesta hipótese beneficiou não só a família, mas, principalmente, a criança. Mas pode ser que a adoção assim como a concessão de benefícios se tornem mais difíceis aos casais homoafetivos. Isso porque no dia 24 de setembro, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados criada para discutir o Estatuto da Família aprovou, por 17 votos favoráveis e cinco contrários, o texto principal do projeto que define família como a união entre homem e mulher.

O parecer do relator, deputado federal Diego Garcia (PHS-PR), define a família como a união entre homem e mulher por meio de casamento ou união estável, ou a comunidade formada por qualquer um dos pais junto com os filhos. O texto do projeto dispõe sobre os direitos e as diretrizes das políticas públicas voltadas para atender à entidade familiar em áreas como saúde, segurança e educação. De autoria do deputado federal Anderson Ferreira (PR-PE), a proposta tramita na Câmara dos Deputados desde 2013.