Os contratos de consumo em tempos de Covid-19 – Parte 1

*Felipe Guimarães Abrão 

Muito se tem falado, como não podia ser diferente, no atual cenário de crise que se instalou em nosso país em decorrência da lamentável pandemia do novo coronavírus (doença tecnicamente chamada de Covid-19). Tal crise, por sua vez, é geral, isto é, tem afetado diversos setores da sociedade, principalmente a saúde pública e a economia.

Enfim, uma das mais relevantes discussões que se tornaram corriqueiras é a questão dos contratos de consumo frente a esta nova realidade, onde não está sendo possível cumprir com uma, algumas ou todas as obrigações contratuais. Em primeira mão, é necessário esclarecer que contrato de consumo é aquele pelo qual se incidem os regramentos de proteção aos consumidores, em especial os presentes no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Pois bem, quando o assunto é pandemia (fato superveniente inevitável e imprevisível) e contrato de consumo, alguns apontamentos devem ser tomados:

  1. O CDC não traz nenhum regramento específico quanto à impossibilidade de o fornecedor cumprir com sua obrigação, principalmente quando diante de pandemias;
  2. Face à ausência de normas específicas dentro do CDC sobre esta questão (tópico “a”), necessário se faz que importemos as normas atinentes à situação dentro do Código Civil brasileiro (diálogo de fontes); e
  3. É preciso analisar se a prestação não poderá ser cumprida pelo fornecedor pelo fato de ter ocorrido alguma interferência direta do Poder Público (Ex.: decreto estadual que proíbe o funcionamento de determinado tipo de negócio etc.) ou se as partes contratantes não mais se interessam pela continuidade do contrato por força da pandemia (Ex.: em vista de um voo cancelado, o usuário não mais quer realizar sua viagem, vez que não quer ser exposto a possíveis riscos de contaminação pelo coronavírus; contratos de prestação de serviços educacionais etc.).

Sem adentrar em cada situação em específico, algo que será tema da parte 2, independentemente da situação em que consumidores e fornecedores se encontrem, recomenda-se, acima de tudo, que busquem chegar a um consenso, sem a necessidade de quaisquer intervenções, seja administrativa, seja judicial. Em outras palavras, necessário se faz que as partes contratantes se atentem de que não há culpados para o que estamos passando hoje, isto é, não é dos fornecedores, tampouco dos consumidores, a culpa de o país estar passando por uma crise como a da Covid-19.

Não é a hora de apontar o dedo para o outro para dizer quem tem ou não razão. O melhor momento agora, sem sombra de dúvidas, até mesmo para evitar quaisquer conflitos administrativos (frente a Procon, por exemplo) e/ou judiciais, é de conversar, de ajustar as relações, e não de litigar.

Trata-se, por sua vez, da materialização da tão aclamada boa-fé objetiva. Esta, sim, tem previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor (artigo 4º, III), e deve, sobretudo, ser atendida em toda e qualquer relação de consumo.

Em síntese apertada e necessária, a boa-fé objetiva, tecnicamente falando, se traduz nos pilares de confiança e lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação do mercado de consumo, e deve ser seguida por todas as partes (consumidores e fornecedores). Informalmente falando, a boa-fé objetiva se traduz em uma única expressão: bom senso. Sim, em momentos de crise mundial, é imprescindível que haja bom senso entre os protagonistas do mercado de consumo, sob pena de se dificultar ainda mais a resolução de eventuais conflitos.

*Felipe Guimarães Abrão é advogado e consultor jurídico especialista em Direito do Consumidor e em Direito Imobiliário e é membro da equipe Rogério Leal & Advogados Associados.