Suspensão temporária do WhatsApp não viola direitos à comunicação e à liberdade de expressão, entende MPF

“A suspensão temporária de um aplicativo, que de forma contumaz descumpre a legislação brasileira, não viola nem de longe os direitos à comunicação e à liberdade de expressão garantidos por outros meios, inclusive com a utilização de aplicativos idênticos também gratuitos”. A manifestação foi feita pela coordenadora do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, procuradora da República Neide Oliveira, durante a audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater o bloqueio do aplicativo WhatsApp por meio de decisões judiciais, nesta sexta-feira (2).

Neide Oliveira defendeu que o STF estabeleça entendimento sobre o enquadramento do regime jurídico da atividade desenvolvida por meio do WhatsApp e de outros aplicativos de troca instantânea de mensagens. Para ela, é preciso fixar se a atividade desenvolvida pelo WhatsApp e similares corresponde ou não à prestação de serviço essencial. “A essencialidade ou não da atividade desenvolvida pelo aplicativo constitui premissa delineadora das normas a que a WhatsApp  estará sujeita, pois somente os serviços tidos por essenciais encontram-se abrangidos pelo manto do princípio da continuidade, ou seja, não podem ser interrompidos”, assinalou.

Ela alertou que a WhatsApp, ao associar indevidamente o uso do aplicativo com a navegação na internet, faz crer que o Marco Civil proíbe a suspensão do aplicativo na medida em que o acesso à internet é essencial para o exercício da cidadania na forma do seu Artigo 7. Para ela, o WhatsApp ficou inoperante recentemente por mais de duas vezes por falhas técnicas da empresa, “sem que tenha ocorrido nenhuma catástrofe ou privação do direito de comunicação ou de liberdade de expressão nesse período”. Para ela, isso demonstra que o serviço não é infalível nem pode se pretender essencial.

Em sua explanação, a procuradora também sustentou que diversos dispositivos do ordenamento jurídico, em especial o Marco Civil da Internet, assegura a privacidade dos dados, mas permite que eles sejam acessados por autoridades, mediante ordem judicial.

A coordenadora do Grupo da Câmara Criminal do MPF destacou que o Marco Civil da Internet forma um sistema coeso que assegura a proteção e também os meios de sanção adequados em caso de descumprimento de seus preceitos. No entanto, para ela, “o Marco Civil da Internet foi omisso quanto ao uso ilícito de aplicativos, concentrando-se na proteção de dados pessoais e as comunicações, o que é bem diferente de proibir bloqueios de aplicativo”.

Facebook/WhatsApp – Neide Oliveira também explicou que o Facebook admite a aquisição da WhatsApp, mas sustenta não possuir nenhuma ingerência sobre o aplicativo ou sobre os dados de seus usuários. Segundo ela, esse argumento não se sustenta, pois se trata de notório grupo econômico. De acordo com a procuradora, a empresa informa em próprio sítio eletrônico que é proprietário de várias empresas, entre elas o WhatsApp, e que pode compartilhar informações dos usuários dentro da família de empresas.

“Aceitando-se como verdadeira a afirmação de que as empresas cumprem a lei brasileira e considerando o previsto no Artigo 15, parágrafo 3º, do Marco Civil da Internet, que determina serem sigilosos registros de acesso a aplicativos, a única conclusão plausível é de que apesar das negativas, as empresas que pertencem a um único grupo e agem como uma só, pois, do contrário, como entidades autônomas e independentes não poderiam trocar entre si dados sigilosos que somente podem ser acessados mediante ordem judicial”, rebateu a procuradora.

A coordenadora do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos da Câmara Criminal do MPF ainda destacou que a alegação do Facebook de que o WhatsApp não tem qualquer representação no país não afasta sua legitimidade para responder e cumprir decisões judiciais no Brasil, inclusive as consequências do resultado do julgamento das presentes ações concentradas.

Ainda representaram o MPF no debate o secretário de Cooperação Internacional da PGR, Vladimir Aras, e a procuradora da República Fernanda Domingos, que também integra o Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos.

Para Vladimir Aras, aparentemente, o que se tenta apresentar como um dos valores mais importantes do serviço do WhatsApp é a proteção dos dados pessoais de pessoas, “mas infelizmente esses serviços também são utilizados por terroristas do mundo inteiro, criminosos que traficam drogas e pessoas, que cometem crimes comuns, que estão em unidades prisionais dentro do Brasil e ainda assim usando esses serviços, infelizmente por deficiências também do Estado”. Segundo ele, “é preciso que percebamos que há usos lícitos e ilícitos”.

Criptografia – Em sua intervenção, a procuradora da República Fernanda Domingos, que também integra o Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos da Câmara Criminal do MPF, falou sobre criptografia e fornecimento de conteúdo de metadados. Segundo ela, por serem questões subjacentes aos descumprimentos das ordem judiciais que ensejaram os bloqueios do aplicativo WhatsApp, são relevantes para as investigações de “crimes seríssimos, como tráfico de drogas, de armas, de pessoas, troca de pornografia infantil, preparação de sequestro, de homicídios e atentados terroristas”.

Audiência – O debate foi convocado de forma conjunta pelos relatores da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527, ministra Rosa Weber, e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, ministro Edson Fachin. Após a audiência pública, o PGR requereu em manifestação ao STF vista dos autos para que possa se manifestar sobre a questão.