Registro de arma de fogo expirado configura mera irregularidade administrativa

Wanessa Rodrigues

Um representante comercial que foi preso em flagrante por portar arma de fogo de uso permitido, mas com registro expirado, conseguiu na Justiça trancamento da ação penal. A decisão é dos integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Por maioria de votos, prevaleceu voto do redator, juiz substituto em 2º grau Jairo Ferreira Júnior, acompanhado pelos desembargadores Edison Miguel da Silva Júnior e Leandro Crispim.

A Segunda Câmara Criminal acolheua tese da defesa de que o registro expirado configura mera irregularidade administrativa. Além disso, reconheceram a ausência de justa causa e atipicidade material da conduta atribuída ao paciente (no caso, o representante comercial). O entendimento está em acordo com recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Consta na ação que o representante comercial foi preso em flagrante em decorrência de uma busca policial em sua residência. Na ocasião, os policiais encontraram uma arma de fogo calibre 380, marca Taurus, com um carregador e doze munições de mesmo calibre. Ele foi liberado mediante pagamento de fiança.

O Ministério Público de Goiás (MP-GO) ofereceu denúncia contra o representante comercial, como incurso na sanção prevista no artigo 12 da Lei 10.826/2003 – possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar no interior de sua residência ou dependência desta. A denúncia foi recebida por decisão do juízo da 12ª Vara Criminal de Goiânia.

advogado Oto Lima Neto - nova
Advogado Oto Lima Neto representou o paciente na ação.

Diante do recebimento da denúncia, o representante comercial, que na ocasião mostrou aos policiais o registro da arma apreendida, expedido pela Polícia Federal, se sentiu constrangido ilegalmente, notadamente pela atipicidade material da conduta. Ao entrar com pedido de habeas corpus (hc), com vistas ao trancamento da ação penal, o advogado Oto Lima Neto, do escritório Oto Lima & Advogados Associados que representou o paciente na ação, alegou ausência de justa causa para o recebimento da denúncia.

Segundo explica Oto Lima Neto,a posse de arma de fogo com registro vencido não traduz a ofensividade disciplinada pela norma penal incriminadora, máxime diante da existência de providências administrativas idôneas para solucionar a questão. Além disso, diz que a situação não se compatibiliza com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, enquanto subsidiário e fragmentário. “Pelo princípio da subsidiariedade, o Direito Penal deve ser utilizado como última ratio, somente podendo ser lançado se o conflito de interesses não puder ser resolvido por outro ramo do Direito”, esclarece.

“Evidente, portanto, que o recebimento da Denúncia por fato manifestamente atípico configura constrangimento ilegal sanável pela ação mandamental, de sorte que, não havendo justa causa para o recebimento da Peça Inaugural – porquanto os fatos aduzidos não se amoldam ao crime estampado no artigo 12 da Lei 10.826/2003 – dada a atipicidade material, é de rigor o trancamento da Ação Penal”, acrescenta o advogado.

Irrazoável e desproporcional
Divergindo do voto do relator desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga,o juiz substituto em 2º grau Jairo Ferreira Júnior, observou que, em consonância com entendimento do STJ, a posse de arma de fogo com registro vencido se trata de mera irregularidade administrativa, não tendo que se falar em crime. O magistrado ressalta, ainda, que é irrazoável e desproporcional realizar a prisão de um cidadão e submetê-lo a um processo criminal pela simples perda de um prazo para renovação do documento de registro.

“Afinal, o sujeito que possuía o registro válido preencheu, outrora, os requisitos necessários para a aquisição da arma de fogo, cumprindo com determinações legais e mantendo o Estado ciente da situação de sua arma”, disse o magistrado em seu voto. Além disso, afirmou que as sanções e medidas administrativas se mostram suficientes para solucionar a irregularidade, isso porque a conduta não representa prejuízo relevante ao titular do bem jurídico ou à integridade da ordem social.