Número de pais indiferentes à cor da criança ao adotar cresce no país

O número de pretendentes à adoção que se dizem indiferentes à cor da criança é cada vez maior no país. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, hoje, 42% dizem não se importar com a etnia do filho ou da filha que procuram. Em 2011, eram apenas 31%.

O percentual de pais que só aceitam crianças da cor branca também caiu no período de três anos: de 38% para 30%. Já os índices dos que aceitam crianças indígenas, pardas ou negras subiram.

Para a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini, há uma “mudança de cultura”, resultado de um trabalho intenso dos grupos pelo país. “As pessoas estão deixando de lado essa questão de a cor ser importante. O amor não tem cor. Pelo lado de dentro somos todos iguais”, diz.

“Muitos pretendentes ainda fazem a exigência da mesma cor no sentido de formar uma família considerada padrão, socialmente ideal. Na medida em que a gente vai falando de adoção e a sociedade e a mídia colocam o assunto em pauta, os preconceitos caem por terra. E as pessoas não vão se importando se a família é colorida. Passa a ser algo bonito. Isso cria uma esperança para muitas crianças que aguardam uma família nos abrigos”, afirma a presidente da Angaad.

O Cadastro Nacional de Adoção abriga atualmente 30.161 pretendentes – quase 5 mil a mais que em 2011. Na outra ponta, estão 5.446 crianças e adolescentes (2 mil a mais em relação a 2011).

Apesar da exigência menor em relação à cor, o que ainda faz tanto o número de pretendentes quanto o de crianças aumentar ao longo dos anos é a incompatibilidade em outros campos. Só 19% aceitam adotar irmãos, por exemplo, enquanto 37% das crianças cadastradas aguardam uma nova família junto do irmão ou da irmã.

Ainda de acordo com o cadastro, um terço dos pretendentes condicionam a adoção ao fato de a criança ser uma menina. Mas, nos abrigos, os meninos são maioria (3 mil aptos para adoção).

O dado que mais chama a atenção, no entanto, é o que diz respeito à idade. Como a maioria dos pais sonha em passar por todos os estágios da maternidade, 53% querem um bebê até dois anos de idade. Só 2% das crianças disponíveis estão nesta faixa. Além disso, os pais que aceitam adotar uma criança maior de 11 anos hoje não perfazem 1% do total. No cadastro, 70% das crianças e adolescentes estão nessa faixa etária.

“Muitas crianças envelheceram nos abrigos. Desde a nova lei de adoção, há cinco anos, não se pode mais manter uma criança por um período superior a dois anos no local. Mas essa é uma realidade difícil de mudar de um instante para outro”, diz Suzana.

‘Gravidez de 15 dias’
Descendente de alemães, a empresária Cristiane Forssell, de 42 anos, casada com um descendente de russos, não colocou empecilhos nem fez qualquer exigência quando decidiu ser mãe. Há sete anos, ela e o marido foram até o Sul de Minas Gerais buscar o filho, Rafael Luís, negro e já com 4 anos de idade.
As pessoas estão deixando de lado essa questão de a cor ser importante. O amor não tem cor. Pelo lado de dentro somos todos iguais”
Suzana Schettini, presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção

Cristiane ficou sabendo que o garoto estava no local porque a cunhada, que já havia adotado uma menina, recebeu uma ligação de uma assistente social perguntando se ela tinha interesse em outra criança. “Eu e meu marido corremos para fazer o cadastro e depois de 15 dias nos ligaram. Meu coração disparou. Disseram: ‘Venham e já tragam o advogado se decidirem ficar com a guarda provisória’. Foi uma gravidez de apenas 15 dias”, brinca.

Cristiane diz que a mãe a alertou para que não levasse o menino para casa se não estivesse convicta de que ele era seu filho, pois não se tratava de um “ato de caridade”. “Quando a gente chegou e olhou para ele, começou a chorar na mesma hora. Teve certeza”.

A empresária, que mora em Itanhaém, no litoral de SP, diz que por se tratar de uma cidade pequena e sua família ser conhecida na região, houve certo ‘falatório’, mas que isso foi superado. “A gente mostra para ele que existe o preconceito, que não se deve julgar as pessoas pela aparência ou pelo que decidem ser. Mas lida de uma forma natural com isso, conversa, com uma linguagem apropriada para a idade. É uma situação muito bem resolvida”, diz.

Cristiane diz que não sabe se pretende ter outro filho, mas que, se houver o desejo, com certeza adotará novamente. “Não tive essa necessidade da barriga, da gravidez. Ele me completou totalmente. A gente é muito feliz”.

‘Uma troca’
Já a dona de casa Odiceli Maria Ferreira, de 48 anos, adotou Milton, hoje com 16 anos, quando ele tinha 2, em Belém (PA). A mãe biológica tinha problemas financeiros e não teve como cuidar do garoto. “Na época eu estava fazendo tratamento contra depressão. E ele apareceu na minha vida e me ajudou muito. Foi uma troca”, conta ela, que já tinha um filho.

A gente mostra para ele que existe o preconceito, que não se deve julgar as pessoas pela aparência ou pelo que decidem ser. Mas lida de uma forma natural com isso, conversa, com uma linguagem apropriada para a idade. É uma situação muito bem resolvida”

Odiceli, que é branca, afirma, no entanto, que teve de passar por situações nada agradáveis em que ele, ainda garoto, foi alvo de discriminação por ser negro. “Uma vez entrei em uma loja e estava afastada dele. Foi quando vi que uma atendente demonstrou medo, achando que ele pudesse querer roubar algo. No momento em que notei, falei que ela não devia pré-julgar uma criança pela cor. Ela acabou me pedindo desculpas”, diz.

Segundo a dona de casa, o próprio Milton chegou a demonstrar certo desconforto durante a infância. “Um dia ele chegou para a avó e perguntou por que ela não jogava cal nele para que ficasse branco como os outros netos. Mas aí a gente foi conversando”, afirma. Segundo ela, a família o recebeu com muito carinho, o que ajudou na adaptação. “Quando o Miltinho chegou, meu outro filho, o Rafael, ficou com ciúmes. Hoje eles têm uma amizade muito boa. Todos são apaixonados por ele, que sempre foi uma criança muito carismática”, conta, orgulhosa. Fonte: G1